sexta-feira, 17 de julho de 2015

JUSTO O CONTRÁRIO! OU O DESERTO DA NOSSA EDUCAÇÃO – 9

Prof Eduardo Simões

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             É tudo uma questão de prioridade. A presidente da Finlândia, Tarja Halonen, visitando uma escola finlandesa elementar nos Estados Unidos, recebe um buquê de flores de uma aluna. Todos focam o principal objetivo da educação.

         Quando um grupo chegou ao poder no nosso estado, uma de suas medidas mais impactantes e pertinazes foi fechar escolas e salas de aula que, na versão deles, não apresentavam uma relação custo-benefício adequada, ou mesmo para enxugar as contas do governo, o que tem sido uma verdadeira compulsão, até os dias de hoje. Como consequência disso, muitas crianças perderam escolas na periferia, de qualidade duvidosa, tendo que se deslocar para grandes unidades escolares do centro, ao mesmo tempo em que o governo, em nome do custo-benefício, expandia o limite mínimo de alunos por sala de aula, chegando a 45!
         O resultado dessa política logo se fez sentir no plano pedagógico. Deslocar-se numa cidade implica em custos, e esse custo incide muito alto sobre quem ganha menos, em geral os pais de alunos de escola pública. Na metade da primeira década desse milênio nós, professores de uma escola paulista, fomos colocados diante de um dilema: os alunos mais fracos, em uma ou outra matéria, deveriam passar por aulas de reforço em horário diferente das aulas, portanto quem estudasse de manhã deveria voltar à tarde, para o reforço, e vice versa, só que quase nenhum deles estava vinha, pois teriam que pegar até dois ônibus para vir à escola, e isso lhes era economicamente impossível. Conclusão: ou nós passávamos graciosamente esses alunos ou bloquearíamos a sua vida...
         Quanto ao problema da superlotação das salas de aula o raciocínio é tão simples quanto grotesco: como a rotina de faltas dos alunos mais pobres é grande, pelos mais variados e justos motivos, admite-se preencher a sala até um número maior que o estabelecido em lei, e se torce para que esses alunos, de fato, mantenham a sua rotina de faltas. Com prejuízo para quem? O caso mais extravagante que eu vivenciei foi o de uma escola, em Lorena, que chegou a admitir 81 alunos, numa turma de EJA!, embora eu nunca a tenha visto superlotada.
         Esse problema, entretanto, se agrava quando, nas turmas menores, os alunos são mais fieis ou a família cuida mais, e a grande maioria comparece. Tive uma 7ª série com 44 alunos, dos quais pelo menos 40 compareciam regularmente. Os alunos nem podiam estivar as pernas em sala de aula. Fui reclamar à vice-diretora: “a 7ª tal está superlotada!” “Não está!” foi a resposta. Cheguei à conclusão que na educação, assim como na política, não importa o que existe, mas aquilo que se diz sobre o que existe, sem falar do binômio “custo-benefício”. Aliás as autoridades educacionais brasileiras ficam tanto mais hábeis no uso de conceitos da administração, da estatística e da economia, quanto mais distante ficam daquilo que mais interessa à educação.
         Quanto à questão da diferença qualidade, algo grave num país que, por história, tradição e costume, acumula vergonhosas desigualdades, o governo resolveu seguir o caminho mais curto: via engessamento de conteúdos, de avaliação e investimento em recursos físicos, como manda o behaviorismo americano. Surgiram uma profusão de surgiram apostilas, orientações, objetivos, competências, habilidades e conteúdos descritos tão minuciosamente quanto inoperacionais, uma enfiada de apostilas, muito defasadas da realidade das escolas, além de uma tal quantidade de livros, televisões, computadores, etc., ferramentas pedagógicas, enfim, que nos faz duvidar da famosa “crise” de que todos falam.
         Bem diferente é na Finlândia, onde os alunos têm garantida escola perto de sua casa, mesmo que seja em meio a um deserto de gelo. Com uma vantagem: a qualidade das escolas, segundo vários sites que visitei, é praticamente igual, sendo o país onde a diferença entre as melhores escolas e as piores é a menor, no mundo desenvolvido. Como eles conseguiram isso?
         Primeiro, as salas de aula finlandesas têm em torno de 20 alunos, um pouco mais um pouco menos, que permite uma atenção real, concreta, a cada criança, chegando a ponto de, em caso de escolas com muitos alunos com dificuldade, se chegar a uma proporção de um professor para sete alunos. Esses finlandeses são tolos não? Por que não vêm aprender com os nossos burocratas o segredo da relação custo-benefício?
         Segundo, a família e a criança recebem amplo suporte do estado, que em alguns casos financia até taxi, para garantir o deslocamento da criança à escola. Lá não tem ônibus sem freio ou sem assoalho levando alunos para a escola.
         Terceiro, a família é realmente cobrada, e a obrigatoriedade de frequentar a escola é para valer. O Estado também ajuda as famílias que tenham dificuldades financeiras, não para o governo ganhar votos, mas para dar o retorno na educação.
         Quarto, a principal estratégia para garantir a uniformidade da qualidade foi, a partir de objetivos educacionais amplos, poucos, claros, reconhecidos e perfeitamente factíveis, implementar ao máximo a formação e a valorização social do professor, pois 100% deles possui, pelo menos, o mestrado.
   Enfim, o que uniformizou a qualidade do sistema escolar finlandês foi o investimento pesado feito na qualificação e valorização social do professor, pois é ele, e não os computadores, os tablets, as televisões, os projetores, livros, pinturas, paredes, quadras de esporte, elevadores, etc., quem realmente educa e faz crescer as crianças e o país, numa relação custo-benefício que Ebenezer Scrooge, tio Patinhas e as nossas autoridades educacionais nem imaginam.

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         É tudo uma questão de prioridade!





Aspecto de uma sala de aula finlandesa. Sem esses recursos, mas com essa mesma proposta: turmas pequenas, trabalho em grupo, acompanhamento minucioso, etc., funcionou em Guaratinguetá, durante uns dez anos, uma escola chamada Escola do Futuro, de propriedade de minha esposa, que, infelizmente, não vingou. A pequena classe média, em geral, a achava cara; a classe alta, em geral, a achava pouco seleta; os funcionários da Delegacia de Ensino, em geral, a achavam estranha, e muito diferente do padrão; mas aqueles que tiveram seu filho nela não se arrependeram. É tudo uma questão de prioridade.

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