JUSTO O CONTRÁRIO!
OU O DESERTO DA NOSSA EDUCAÇÃO – 8
Prof Eduardo
Simões
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/56/20150517_ESC_2015_Pertti_Kurikan_Nimip%C3%A4iv%C3%A4t_1261.jpg/1024px-20150517_ESC_2015_Pertti_Kurikan_Nimip%C3%A4iv%C3%A4t_1261.jpg
Wikipedia
Pertti Kurikan Nimipäivät, ou PKN,
banda finlandesa de punk rock formado por adultos especiais.
Certa vez, no segundo mandato do Lula, assisti
a um debate na TV sobre crianças especiais, quando o mediador perguntou à secretária
de educação especial do MEC, se convinha mandar crianças com necessidades
especiais para escolas que ainda não tinham sido devidamente preparadas para
recebê-las, ou a professores que ainda não tinham recebido treinamento. Essa
senhora teve a pachorra de dizer que se fossem esperar a adequação das escolas e
dos professores à “inclusão”, esta jamais sairia do papel... Ou seja, ela
reconheceu publicamente que as crianças com necessidades especiais estavam
sendo, não só, retiradas de espaços onde recebiam atenção adequada, como empurradas
para um sistema ainda não corretamente adaptado, para cumprir uma lei criada à
revelia da nossa realidade, e o nosso governo pudesse aparecer como “civilizado”,
“desenvolvido”, para investidores lá fora.
Nós, os professores, estamos perdidos nesse
assunto. É comum recebermos alunos com as mais diversas dificuldades de
aprendizagem, sem que tenhamos a mínima ideia da dificuldade da criança e de como
trabalhar com ela. Normalmente não há laudos, não há acompanhamento, não
recebemos orientações técnicas. A ordem é: “te vira!”, exatamente como fez a
ilustre secretária acima, sem falar que sempre aparece um burocrata a dizer que
precisamos “adaptar o currículo”. ADAPTAR A QUÊ? A única coisa de especial que aparece
é a sigla INTEL, ao lado de um nome!
Qual é,
exatamente, a afecção da criança e quais são as dificuldades de aprendizagem
dela decorrente, ninguém sabe. O que nós percebemos é que o menino, ou menina,
tem um comportamento esquisito – em geral, muita dificuldade, quando não
recusa, em se socializar – o que faz as reuniões de professores, às vezes, tomarem
um ar surrealista: “fulano é especial!”, “não, fulano é só muito folgado!” Sem
falar de alunos que nós recebemos, com evidentes dificuldades, e que nos chegam
como se fossem “normais”, porque alguém, ou alguéns, nas séries anteriores acha
aborrecido ter que preencher a carrada de laudos, necessária para que a criança
seja reconhecida “oficialmente” como especial, ou porque não tem especialidade
nem conhecimento para detectar a especialidade da criança. Na dúvida, empurra-se
para frente.
Para não dizer que eu nunca tive uma
orientação, certa vez me reuni com duas psicólogas, que atendiam a um garoto de
classe média, que estudava numa escola pública. Elas começaram perguntando como
é que eu agia, e eu, bobo, disse tudo, só para ouvir dela que eu já estava
fazendo tudo certo. Que bom! Quase acreditei ser um especialista nato em
Educação Especial. Fora isso tem o “folclore”, como aconteceu na escola de uma
prefeitura, onde uma aluna muito grande, com síndrome de down, e com um
comportamento muito agressivo, disseminava o terror entre os pequenos. Solução:
contratar uma estagiária, para entretê-la, e, principalmente, segurá-la na hora
dos acessos, mesmo porque muitos adultos “normais” não perdoam, e chegam a se
armar e invadir a escola para acertar as contas com os desafetos de seus
filhinhos. Eu mesmo já presenciei um caso horrível desses.
É um absurdo classificar as crianças
com qualquer dificuldade de uma única maneira: “especial”, incluindo nessa
etiqueta crianças cegas, mas intelectualmente capazes de acompanhar o currículo
cognitivo, com dificuldade nas atividades físicas, com alunos autistas, por
exemplo, aptos para atividades físicas, mas incapazes de acompanhar o currículo
cognitivo, para não falar da desatenção dos professores, em função de suas
necessidades, que eles irão experimentar em salas superlotadas de alunos, “normais”,
mas emocionalmente desequilibrados, disputando quase que no tapa, com aqueles,
a atenção do professor – não sei quem foi a “sumidade” pedagógica, que conseguiu
meter na cabeça de nossas autoridades que os fenômenos de sala de aula são afetivamente
neutros!
Na Finlândia existe um acompanhamento
de fato e uma progressão no processo de inclusão, iniciado paulatinamente desde
o fim dos anos 90. Quando a dificuldade não é muito séria a criança é incluída
numa série normal, mas se ela apresenta dificuldades mais acentuadas, ela é
então colocada numa turma especial, dentro da escola, com menos de dez alunos, com
profissionais preparados para isso. Além disso, o Estado mantém sete escolas
exclusivas para alunos especiais. Lá não há desrespeito à criança especial nem
improvisação criminosa. E mais, conforme um relatório da Agência Europeia Para
Necessidades Especiais e Educação Inclusiva, “A estratégia [de inclusão]
destaca o papel central dos professores. Desenvolver a educação inclusiva
requer investimentos pesados [“heavy investments”, no original] na formação de
professores... os professores não podem lidar sozinhos com o conjunto das pressões
advindas de novas exigências [sociais e educacionais]”... além de outras
informações interessantes; recomendo a leitura do texto, em inglês, no seguinte
endereço: https://www.european-agency.org/country-information/finland/national-overview/special-needs-education-within-the-education-system
Como eu disse, nós os professores do
Brasil, não temos orientação adequada e preparo para lidar com essa complexa
questão, as mudanças e aperfeiçoamentos são aos pedaços, de forma inesperada,
como retalhos em uma colcha. Numa de minhas turmas há cinco alunos, quase o
mesmo tanto de alunos admitidos nas turmas especiais finlandesas, sem falar de
dezenas de outros, sem qualquer outra informação que a sigla INTEL, colocada ao
lado de seus nomes, cada um dando respostas bem diferentes ao processo de aprendizagem.
Fala-se muito em discriminação, e em
traumas provocados por essa discriminação nas crianças especiais. Certa vez tive
três alunos, aparentemente especiais, dizia-se que eram, numa sala repleta e
muito danada, onde eles, coitados, em nome da inclusão, viviam isolados e
tristes, pois ninguém queria se juntar a eles na hora dos trabalhos e das
conversas, nem eles procuravam interagir com os outros, até que um dia eles se
encontraram por acaso, e tudo mudou. Passaram a sentar-se juntos, nunca se separavam.
Ninguém os procurava e eles não procuravam ninguém, mas agora estavam felizes, os
seus semblantes mudaram, a menina, uma vez, até zoou com um erro que eu cometi.
Pode isso? Agora eles não estavam mais sozinhos, estavam entre os iguais.
Para uma criança
assim, conviver e trabalhar com “normais” é chato, incompreensível, traumático,
pois logo aparece a diferença, enquanto trabalhar com os de seu nível é prazeroso,
pois aí eles percebem a igualdade, de tal sorte que os traumas, preconceitos e discriminações
estão muito mais na cabeça dos adultos “normais”, principalmente aqueles que
projetam nessas crianças seus sentimentos, algumas vezes, injustificados de culpa,
do que nessas mesmas crianças.
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sua formação ou de reformas meia-boca, mas da atenção de profissionais especializados de alto nível, salas especiais, equipamentos adequados, atendimento diferenciado, de acordo com a sua deficiência ou o seu potencial, o que exclui as nossas salas superlotadas, contato com as outras crianças de maneira pedagogicamente planejada, oportunidades de acordo com a sua capacidade. A sociedade brasileira também precisa deixar de ser HIPÒCRITA, de tentar levar essa questão para frente apenas com palavras de ordem, apelos sentimentais e ameaças legais, e deixar bem claro o quanto está disposta a investir em seres humanos, nessas crianças, e em todas as outras. Também precisa parar de dizer, aos professores que vão lidar com essas crianças, que basta “boa vontade”, pois ninguém entrega a sua saúde ou o conserto do seu carro a profissionais apenas reconhecidos por sua “boa vontade”.
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