quinta-feira, 16 de julho de 2015

JUSTO O CONTRÁRIO! OU O DESERTO DA NOSSA EDUCAÇÃO – 8

Prof Eduardo Simões

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/56/20150517_ESC_2015_Pertti_Kurikan_Nimip%C3%A4iv%C3%A4t_1261.jpg/1024px-20150517_ESC_2015_Pertti_Kurikan_Nimip%C3%A4iv%C3%A4t_1261.jpg
Wikipedia

         Pertti Kurikan Nimipäivät, ou PKN, banda finlandesa de punk rock formado por adultos especiais.

         Certa vez, no segundo mandato do Lula, assisti a um debate na TV sobre crianças especiais, quando o mediador perguntou à secretária de educação especial do MEC, se convinha mandar crianças com necessidades especiais para escolas que ainda não tinham sido devidamente preparadas para recebê-las, ou a professores que ainda não tinham recebido treinamento. Essa senhora teve a pachorra de dizer que se fossem esperar a adequação das escolas e dos professores à “inclusão”, esta jamais sairia do papel... Ou seja, ela reconheceu publicamente que as crianças com necessidades especiais estavam sendo, não só, retiradas de espaços onde recebiam atenção adequada, como empurradas para um sistema ainda não corretamente adaptado, para cumprir uma lei criada à revelia da nossa realidade, e o nosso governo pudesse aparecer como “civilizado”, “desenvolvido”, para investidores lá fora.
         Nós, os professores, estamos perdidos nesse assunto. É comum recebermos alunos com as mais diversas dificuldades de aprendizagem, sem que tenhamos a mínima ideia da dificuldade da criança e de como trabalhar com ela. Normalmente não há laudos, não há acompanhamento, não recebemos orientações técnicas. A ordem é: “te vira!”, exatamente como fez a ilustre secretária acima, sem falar que sempre aparece um burocrata a dizer que precisamos “adaptar o currículo”. ADAPTAR A QUÊ? A única coisa de especial que aparece é a sigla INTEL, ao lado de um nome!
Qual é, exatamente, a afecção da criança e quais são as dificuldades de aprendizagem dela decorrente, ninguém sabe. O que nós percebemos é que o menino, ou menina, tem um comportamento esquisito – em geral, muita dificuldade, quando não recusa, em se socializar – o que faz as reuniões de professores, às vezes, tomarem um ar surrealista: “fulano é especial!”, “não, fulano é só muito folgado!” Sem falar de alunos que nós recebemos, com evidentes dificuldades, e que nos chegam como se fossem “normais”, porque alguém, ou alguéns, nas séries anteriores acha aborrecido ter que preencher a carrada de laudos, necessária para que a criança seja reconhecida “oficialmente” como especial, ou porque não tem especialidade nem conhecimento para detectar a especialidade da criança. Na dúvida, empurra-se para frente.
         Para não dizer que eu nunca tive uma orientação, certa vez me reuni com duas psicólogas, que atendiam a um garoto de classe média, que estudava numa escola pública. Elas começaram perguntando como é que eu agia, e eu, bobo, disse tudo, só para ouvir dela que eu já estava fazendo tudo certo. Que bom! Quase acreditei ser um especialista nato em Educação Especial. Fora isso tem o “folclore”, como aconteceu na escola de uma prefeitura, onde uma aluna muito grande, com síndrome de down, e com um comportamento muito agressivo, disseminava o terror entre os pequenos. Solução: contratar uma estagiária, para entretê-la, e, principalmente, segurá-la na hora dos acessos, mesmo porque muitos adultos “normais” não perdoam, e chegam a se armar e invadir a escola para acertar as contas com os desafetos de seus filhinhos. Eu mesmo já presenciei um caso horrível desses.
         É um absurdo classificar as crianças com qualquer dificuldade de uma única maneira: “especial”, incluindo nessa etiqueta crianças cegas, mas intelectualmente capazes de acompanhar o currículo cognitivo, com dificuldade nas atividades físicas, com alunos autistas, por exemplo, aptos para atividades físicas, mas incapazes de acompanhar o currículo cognitivo, para não falar da desatenção dos professores, em função de suas necessidades, que eles irão experimentar em salas superlotadas de alunos, “normais”, mas emocionalmente desequilibrados, disputando quase que no tapa, com aqueles, a atenção do professor – não sei quem foi a “sumidade” pedagógica, que conseguiu meter na cabeça de nossas autoridades que os fenômenos de sala de aula são afetivamente neutros!
         Na Finlândia existe um acompanhamento de fato e uma progressão no processo de inclusão, iniciado paulatinamente desde o fim dos anos 90. Quando a dificuldade não é muito séria a criança é incluída numa série normal, mas se ela apresenta dificuldades mais acentuadas, ela é então colocada numa turma especial, dentro da escola, com menos de dez alunos, com profissionais preparados para isso. Além disso, o Estado mantém sete escolas exclusivas para alunos especiais. Lá não há desrespeito à criança especial nem improvisação criminosa. E mais, conforme um relatório da Agência Europeia Para Necessidades Especiais e Educação Inclusiva, “A estratégia [de inclusão] destaca o papel central dos professores. Desenvolver a educação inclusiva requer investimentos pesados [“heavy investments”, no original] na formação de professores... os professores não podem lidar sozinhos com o conjunto das pressões advindas de novas exigências [sociais e educacionais]”... além de outras informações interessantes; recomendo a leitura do texto, em inglês, no seguinte endereço:  https://www.european-agency.org/country-information/finland/national-overview/special-needs-education-within-the-education-system
         Como eu disse, nós os professores do Brasil, não temos orientação adequada e preparo para lidar com essa complexa questão, as mudanças e aperfeiçoamentos são aos pedaços, de forma inesperada, como retalhos em uma colcha. Numa de minhas turmas há cinco alunos, quase o mesmo tanto de alunos admitidos nas turmas especiais finlandesas, sem falar de dezenas de outros, sem qualquer outra informação que a sigla INTEL, colocada ao lado de seus nomes, cada um dando respostas bem diferentes ao processo de aprendizagem.
         Fala-se muito em discriminação, e em traumas provocados por essa discriminação nas crianças especiais. Certa vez tive três alunos, aparentemente especiais, dizia-se que eram, numa sala repleta e muito danada, onde eles, coitados, em nome da inclusão, viviam isolados e tristes, pois ninguém queria se juntar a eles na hora dos trabalhos e das conversas, nem eles procuravam interagir com os outros, até que um dia eles se encontraram por acaso, e tudo mudou. Passaram a sentar-se juntos, nunca se separavam. Ninguém os procurava e eles não procuravam ninguém, mas agora estavam felizes, os seus semblantes mudaram, a menina, uma vez, até zoou com um erro que eu cometi. Pode isso? Agora eles não estavam mais sozinhos, estavam entre os iguais.
Para uma criança assim, conviver e trabalhar com “normais” é chato, incompreensível, traumático, pois logo aparece a diferença, enquanto trabalhar com os de seu nível é prazeroso, pois aí eles percebem a igualdade, de tal sorte que os traumas, preconceitos e discriminações estão muito mais na cabeça dos adultos “normais”, principalmente aqueles que projetam nessas crianças seus sentimentos, algumas vezes, injustificados de culpa, do que nessas mesmas crianças.

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         Essas crianças não precisam de remendos na 
sua formação ou de reformas meia-boca, mas da atenção de profissionais especializados de alto nível, salas especiais, equipamentos adequados, atendimento diferenciado, de acordo com a sua deficiência ou o seu potencial, o que exclui as nossas salas superlotadas, contato com as outras crianças de maneira pedagogicamente planejada, oportunidades de acordo com a sua capacidade. A sociedade brasileira também precisa deixar de ser HIPÒCRITA, de tentar levar essa questão para frente apenas com palavras de ordem, apelos sentimentais e ameaças legais, e deixar bem claro o quanto está disposta a investir em seres humanos, nessas crianças, e em todas as outras. Também precisa parar de dizer, aos professores que vão lidar com essas crianças, que basta “boa vontade”, pois ninguém entrega a sua saúde ou o conserto do seu carro a profissionais apenas reconhecidos por sua “boa vontade”. 

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