sábado, 18 de julho de 2015

JUSTO O CONTRÁRIO! OU O DESERTO DA NOSSA EDUCAÇÃO – 10

Prof Eduardo Simões

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         Tecnologia ou contato direto: a solução finlandesa.

         No seu livro Escola secundária moderna, escrito no início dos anos 1960, Lauro de Oliveira Lima esboça em detalhes aquilo que é a grande descoberta pedagógica do momento: a educação finlandesa. Alguns erros foram inevitáveis, como a crença exagerada na qualidade da escola de dois turnos, uma visão um tanto idealizada da sociedade “moderna”, uma tendência a subestimar o papel do professor, o pouco valor dado à aprendizagem de línguas, e outras minudências que em nada deslustram o caráter profético, ressalto, desse livro. Nele, inclusive, Lauro, em um capítulo especial, tece críticas contra o canto da sereia daquele momento: as máquinas de aprender, de caráter tipicamente behaviorista.
         As máquinas de aprender eram, de fato, muito toscas, para os padrões de hoje, mas com certeza interessantes para os jovens da época, que curtiam de montão máquinas de aprender muito mais simples, como o “farol mágico” – um arame afixado a uma torre de plástico que, colocado encima de um campo magnético, apontava infalivelmente para a resposta certa, a algumas perguntas padronizadas. Com o passar do tempo, porém, ninguém mais se preocupou com o behaviorismo, de tão desmoralizado que ficou com o avanço das pesquisas, que criticá-lo seria como chutar cachorro morto, até que apareceu uma nova lanterna mágica (a primeira foi a televisão): o computador.
         Estava resolvido o problema do eterno fracasso do behaviorismo: a rusticidade dos meios de estimulação sensorial, agora sobrepujada pelas maravilhas de cores, paisagens, movimentos e sons que aparecem, num toque de botão, na tela de cristal líquido da nova máquina. As sereias do behaviorismo, redivivas, começaram a cantar como nunca, e as máquinas de aprender, apresentadas como equipamentos de “última geração” fizeram a sua reentrada triunfal nas escolas. Projetores, televisões e computadores fariam em poucos anos, o que professores de carne e osso não foram capazes de fazer em milênios! E, quem sabe, não realizaria um dia o sonho de muito empresário e secretário de educação: economizar 100% do salário dos professores...
         Passava perto dos rochedos “abençoados”, uma certa nau sem direção, cujos tripulantes, ouvindo o canto, imbicaram com tudo para eles. Seus capitães-comandantes viram nessa máquina uma panaceia, e começaram a encher as escolas com esses equipamentos e a classificar os professores com base em sua competência em lidar com as novas tecnologias, a revelia do resto. O analfabetismo tecnológico virou obsessão nacional, e ninguém tinha mais olhos para ver o escandaloso número de analfabetos funcionais, afinal, o que importa não é saber ler, e sim “usar” o computador, mesmo sendo um completo analfabeto. O facebook e os comentários em sites e blogs não me deixam mentir – em sua última viagem aos Esteites, a atual capitã-comandante viajou num carro que anda sem motorista, muito sintomático, de uma gigante da informática. A solução ideal para uma sociedade onde as pessoas não conseguem mais ler nem placa de trânsito.
         Mas esse frenesi teve um preço: uma montanha de dinheiro público, desviada para empresas especializadas nessa tecnologia, muito generosas nas doações de campanha. Porém, o que sobrou para as empresas de informática faltou para o preparo e valorização dos professores, a única categoria que tem que provar proficiência naquilo que não é sua função primordial: interpretação de textos, para poder receber um aumento, enquanto dados obtidos em provas e exames oficiais, nacionais e internacionais, letreiros e placas publicitárias, em vias públicas, escancaram a mais completa falência do modelo.
         Os americanos, os inventores da sereia, já começam a desconfiar que há algo errado, afinal de que adianta um bicho que não é nem mulher nem peixe. Não dá para casar, nem para fritar na caçarola! E em vários órgãos de imprensa e sites educacionais soaram o alerta: “Finlandeses batem US com escola de baixa tecnologia”, escreve Caitlin Emma, na edição online do jornal The Politico, cujos principais trechos reproduzo abaixo (http://www.politico.com/story/2014/05/finland-school-system-107137.html).
         “No início das aulas na escola de ponta Viikki, os smartphone dos alunos desaparecem... o professor de matemática desliga seu smartboard e começa a desenhar um círculo perfeito na lousa... Os estudantes e os professores finlandeses não precisam de laptops e iPads para chegar ao topo do ranking internacional de educação, disse a ministra de Educação e Ciência, Krista Kiuru, no parlamento, e as autoridades já disseram que não têm interesse em mudar isso”
         “Isso está em contradição com aquilo que os reformadores, nos Estados Unidos, dizem. Do presidente Obama, para baixo, todos clamam que as tecnologias educacionais são indispensáveis para melhorar as escolas. Ao investir 62 bilhões de fundos públicos, e pedir o aporte de outros dois bilhões da iniciativa privada, a administração Obama pretende expandir o acesso de todas as escolas à banda larga, e aos serviços dela derivados”.
         “Os distritos educacionais, por todo o país, sobrecarregam os alunos com bilhões de dólares em tablets, laptops, iPod [já vi isso em algum lugar!], e muito mais, na esperança de, como Obama falou no ano passado, estar preparando as crianças americanas para competir com estudantes de todo o mundo, o quer requereria uma aprendizagem individualizada e interativa, dirigida pelas novas tecnologias da informação” . E, no entanto, os americanos estão levando uma sova dos finlandeses nos exames internacionais.
         “o país nórdico, diz Caitlin, usa estratégias inovadoras em sala de aula, mas geralmente sem a incorporação de tecnologia”. Acho que os finlandeses foram os primeiros a acreditar que, de fato, o cérebro humano é milhões de vezes mais complexo e inteligente que um computador. O difícil é fazer os políticos crerem nisso, e, principalmente, os donos das empresas de informática...
         Sobram críticas também, das autoridades finlandesas, ao modelo de educação de alto desempenho, como o que acontece nos países asiáticos, e que deixa “pirados”, os nossos ‘experts’ em educação. “A educação não é uma competição, diz Kristiina Vomari... é um mecanismo de garantia de qualidade, e essa qualidade deve ser assegurada a todos nós”. Por fim, o grande nome do momento da educação finlandesa, Pasi Sahlberg, ironiza dizendo que muita gente, inclusive dos EUA, tem ido à Finlândia na esperança de ver escolas altamente tecnológicas, “em vez disso, eles veem professores ensinando a alunos como se faz em qualquer boa escola tradicional dos Estados Unidos”. Caitlin informa também que os alunos finlandeses estão entre os que menos usam tecnologia da informação, em sala de aula, do mundo desenvolvido.
         Não se deve imaginar, porém, que os finlandeses são contrários às novas tecnologias ou que a ela se opõem, apenas por apego às técnicas tradicionais, Pasi Sahlbelg, coloca bem a questão, numa entrevista ao jornal Huffington Post, online (http://www.huffingtonpost.com/c-m-rubin/the-global-search-for-edu_b_4257202.html): “Para muitos professores, a aprendizagem consiste em entender e estabelecer conexões entre o que deve ser aprendido e o que já existe na mente dos alunos. Isso inclui o uso de tecnologia. A simples e mais importante razão para o uso para o uso criterioso das tecnologias educacionais em sala de aula é se isso faz sentido em termos pedagógicos”. Mesmo reconhecendo que a escola não pode passar ao largo da revolução tecnológica, e recomendando o uso das tecnologias de uma forma mais acentuada, apenas no Ensino Médio, Sahlberg também vê “um crescente número de pais, na Finlândia, que gostariam de ver que seus filhos despendendo tempo para aprender, na escola, por meio de relações face-a-face. Há um renovado interesse em aprendizagem cooperativa, debates em sala de aula, e o uso, em estudos individuais, de livros e revistas”. Isso em 2013.
         Moral da história: a educação sem tecnologia é desperdício; educação onde a tecnologia é enaltecida, em detrimento ou á custa da pedagogia, é burrice.
        

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         Isso é o que dá fazer escola, pensando em resolver os problemas econômicos das empresas de informática, ao invés das questões existenciais de nossos jovens. Nossos vândalos não são apenas maus, mas também muito analfabetos.

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