quarta-feira, 29 de julho de 2015

PROPOSTA DE MUDANÇA CURRICULAR

EM HISTÓRIA

PROFESSOR EDUARDO SIMÕES - PEB II
EE. ANTONIO DA CRUZ PAYÃO
EE. NILO SANTOS VIEIRA
Email: eduardospqr@gmail.com

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CONSIDERANDOS


Considerando o caráter estratégico, fundamental, aos interesses da nação do sucesso da escola de Ensino Fundamental.
Considerando a importância, para a formação do indivíduo, do sucesso do Ensino Fundamental.
Considerando os benefícios advindos à sociedade do sucesso do Ensino Fundamental.
Considerando as características estruturais e evolutivas da psicologia da aprendizagem de crianças e adolescentes nessa faixa de idade.
Considerando a natureza do conhecimento histórico; crítico, discursivo, lógico, realista, mais uma boa dose de subjetividade.
Considerando os resultados práticos do atual currículo; absolutamente inadequados à conquista dos objetivos e metas acima discorridos.
Considerando o esvaziamento do interesse pela história, em especial da história do Brasil – a esse respeito, a maioria de meus alunos só consegue reter dois nomes: o de Pedro Álvares Cabral, e o de Getúlio Vargas. “Cabral” por ser um nome estranho, e o primeiro que eles conhecem nas turmas iniciais; já Getúlio Vargas é o nome da avenida, em minha cidade, onde os jovens se encontram para assistir ao desfile de carnaval, ir às baladas, comemorar os títulos do seu time preferido, etc.
Considerando a enorme quantidade, e a qualidade de obras de história, proveniente de países onde as pesquisas históricas e os recursos disponíveis para tal são abundantes, e que tornam essa história, que nós chamamos de “Geral” cada vez mais atraente para alunos e professores, em detrimento da nossa história, com pouca pesquisa, poucos textos, poucos recursos, etc.
Considerando que uma abordagem estritamente cronológica dos conteúdos, como se faz hoje, embora faça algum sentido para um professor universitário ou um especialista na matéria, não faz muito sentido para a criança em formação, que sempre retém mais facilmente aquilo que lhe for mais próximo, que tenha a ver com seus esquemas de assimilação (no sentido piagetiano do termo), desinteressando-se pelo distante.
Considerando que a criança tem nas séries iniciais uma visão muito superficial e pessoal da história – em geral são temas isolados da história do Brasil, onde os personagens, não raro, aparecem com cara de criança, algo perfeitamente compatível com o predomínio da assimilação nessa fase – sem uma noção de evolução crítica, que é própria do aprendizado da história.
Considerando que as noções muito ralas de história aprendidas nas séries iniciais não podem ser consideradas como uma formação básica em história do Brasil.
Considerando as parcas oportunidades que as classes populares, sem excluir muitos jovens e classe média e até elevada, têm de contato com a história nacional antes de entrar na escola.
Considerando o caráter estratégico do conhecimento histórico para os interesses nacionais – tem-se dado muita ênfase à linguagem e à matemática, e de fato elas têm a sua importância, mas se apenas a língua contasse, nós seríamos até hoje um só país com Portugal, e isso não acontece porque a nossa história, a história dos nossos interesses, nos faz diferentes, e às vezes antagônicos, apesar da proximidade linguística. Atualmente os nossos interesses convergem muito mais para a China, que não pode ter uma língua mais diferente da nossa, que para Portugal.
Considerando o isolamento cultural das comunidades nas periferias das grandes cidades e do campo, onde a existência de bibliotecas, cinemas, acesso à internet, teatro, dança, museus, shows, etc., que dificultas a aprendizagem, inclusive, daquilo que é nosso patrimônio histórico-cultural comum.
Considerando o descaso e a quase inexistência de marcos históricos, em nossas comunidades, que reforce o nosso sentimento de pertença à comunidade nacional, e até local – vizinhos que partilham, por meio de ascendentes, conhecidos e admirados, de uma mesma história – agravada pela destruição generalizada de documentos, monumentos, prédios, e outros marcos históricos que poderiam complementar a formação escolar da criança.
Considerando a dinâmica do processo de aquisição de conhecimento pela criança, e qualquer ser humano – já bastante conhecido por meio de trabalhos científicos de peso, principalmente os de Jean Piaget – que parte do próximo para o distante, do conhecido para o não conhecido, do atual para o remoto ou futuro.
Considerando que as últimas reformas e medidas educacionais favoreceram ao ingresso de crianças cada vez mais jovens e imaturas no Ensino Fundamental, que, associado ao que se disse acima, apresentam uma enorme dificuldade de assimilar o conteúdo de história do currículo atual.
Considerando a inadequação psicológica e pedagógica de um rol de habilidades e competências voltadas para o conteúdo, como acontece hoje.
Considerando a realidade psicológica da expressão “só se ama o que se conhece”, reforçada pela observação cotidiana das dificuldades de meus alunos das séries iniciais em entender nomes e costumes tão estranhos, quando comparados ao seu entorno cultural, que lhe serve de esquema de assimilação.
Considerando que a abordagem cronológica prejudica sensivelmente a quantidade e a qualidade da história do Brasil, uma vez que nós só contamos com 5 séculos de civilização integrada à história do mundo, enquanto a História Geral conta com uns 60 séculos, e a nossa arqueologia não pode, em massa de dados, competir, sozinha, com a do resto do mundo.
Considerando que não convém que a escola, e menos ainda a história, se transforme em instrumento para reforçar a baixa autoestima nacional, como acontece no atual currículo.
Considerando a grande diversidade microrregional, e, dentro desta, das escolas que compõem cada diretoria, que inviabiliza um currículo tão “amarrado” como o atual.
Considerando a plasticidade do raciocínio lógico, que não atua de forma linear e quantitativa, como supõe a zona de desenvolvimento proximal.
Considerando que a forma de aprendizagem e os interesses das crianças do Ensino Fundamental, em matéria de história (e de outras disciplinas também), não são os mesmos de um adulto, e menos ainda os de um especialista.
Considerando que a questão da definição de uma identidade social (quem sou eu para os meus pares?) é, de longe, o mais premente e angustiante desafio ou preocupação do adolescente
Proponho: a mudança dos conteúdos de história do Ensino Fundamental da seguinte maneira: História do Brasil I (Colônia e Império) no 6° Ano; História do Brasil II (República) no 7º Ano; História Geral I (da Pré-História até Grandes Navegações (descobrimento do Brasil)) 8º Ano e História Geral II (da Colonização das Américas até os dias de hoje).

JUSTIFICATIVAS POLÍTICO-SOCIAIS

         Assim como a memória é, para o indivíduo, a principal fonte de sua identidade, a história é, para uma comunidade, principalmente a comunidade nacional, a principal fonte de sua identidade e unidade, e sem identidade e unidade não existe a nação, mesmo quando há território e a soberania de leis, em que poucos acreditam.
         Como principal fonte de identidade, a história propicia condições para a formação de um sólido filtro ao cidadão comum, para absorver a enorme gama de conteúdos culturalmente estranhos disponíveis na Internet e em outros meios de comunicação social, lhe permitindo dar um sentido que favoreça a ampliação e estabilização das possibilidades de suas possibilidades de sobrevivência, e a de sua comunidade. Será justamente essa identidade que lhe servirá critério, determinando o que convém ser descartado, o que deve ser preservado e o que deve ser modificado. Neste momento ele também aprende com a cultura e a história das outras nações.
         Como principal fonte de unidade, a história do Brasil tende a unificar sentimentos e aspirações de todos os nascidos em nossa pátria, para objetivos comuns e convivência mais pacífica e orgânica, reduzindo o caos social – claramente perceptível em comunidades que perderam de vista o grande projeto nacional, delineado pelas linhas e sentidos de sua história – favorecendo a que se estreitem os laços de vizinhança, pelo culto, por meio da história, de ancestrais e vicissitudes comuns, diferente do que acontecia na casa grande, onde o vizinho estava fora de vista, distante, e a única história que interessava era a da relação do patriarca com seus antepassados diretos, por linha paterna, enquanto na senzala, onde os vizinhos praticamente se amontoavam sobre o indivíduo, e a única história possível era a memória idealizada de terras distantes – que parece ainda hoje existir tanto nos movimentos negros como na alta classe média que vive a idealizar seja a África Negra seja a Europa Branca – além do ressentimento de estar ali, numa terra estranha com gente estranha.
         Essa nossa herança colonial não pode ser ignorada ou menosprezada – por isso deve ser conhecida, e muito bem conhecida – e isso é claramente visível, hoje, em sala de aula, quando alunos de grupos minoritários, ou que se veem como minoritários, se agrupam em setores da sala e, embora não agressivos, resistem à interação com o restante da turma, enquanto nas ruas as formas sangrentas e impiedosas que o crime, organizado ou não, vinculado ao consumo de drogas ilícitas, claramente ligadas ao estresse derivado de uma realidade social que não integra, mesmo falando a mesma língua, ganha corpo em nossas ruas, onde indivíduos, que se veem apenas como seres isolados, não historicamente identificados, sendo massacrados por menores, a golpes de faca, enquanto a multidão de passantes foge, por não ser capaz de identificar aquela vítima como alguém a ela ligado, seja pelo afeto seja pela história.
         O conhecimento mais apurado, mais detalhado, da história do Brasil é fundamental, nos dias de hoje, para recuperarmos a nossa identidade brasileira, conspurcada, também, pelas tentativas catastróficas, cada dia mais comum, de se dar nomes estrangeiros às crianças, sem falar das próprias crianças – já tive uma aluna que queria que eu grafasse o nome dela no meu diário com dois ípsilones, quando, nos seus documentos estava escrito com “i” e “e”. Logo eles que, pela cor de sua pele, seriam fortemente discriminados por essa cultura estrangeira onde buscam inspiração. Pobre do povo que despreza a sua cultura em favor de outra, que o despreza como povo. Precisamos urgentemente revalorizar a História do Brasil.
         A história é, pois, um poderoso cimento político-social que amplia as possibilidades de intervenção de grandes massas humanas, e a sua transformação ao em povo consciente. No passado, quando ainda não havia uma história como memória virtual transformada em realidade por meio de documentos materiais, portanto melhor preservada, os povos encontravam a justificativa de sua união para grandes empreendimentos em templos, onde várias comunidades executavam ritos e crenças comuns. Faziam isso porque buscavam a eternidade nas entidades e instituições espirituais ou religiosas. A nossa história também precisa se eternizar, mas isso só acontecerá se for corretamente preservada, e adequadamente ensinada. Os adultos podem brincar de se enganar, dizendo que valorizam a nossa história, ao mesmo tempo em que a esvaziam nas escolas, mas os jovens não se deixam enganar e estão com pressa. 
         Por fim nós precisaremos de uma forte, e bem definida, identidade nacional, se quisermos contribuir no concerto das nações mais poderosas do mundo, de uma forma assertiva, com projetos de alcance mundial respeitáveis, deixando de oscilar entre o protagonismo desarrazoado e o isolamento visceral, o que denuncia a falta de um padrão diplomático, fruto da não clareza dos interesses nacionais de longo prazo, o que só é possível por meio do conhecimento profundo de nossa história, sem os clichês ideológicos da direita e da esquerda, pois é ela quem nos aclara onde nossos interesses nacionais são mais claramente preservados e onde estão mais expostos, onde nós podemos abrir mão e onde nos convém até enfrentar uma guerra, para preservá-los. Fora isso é ficar ao sabor dos sentimentos do mandatário no poder, como nos tempos do Ancient Regime, traindo-nos a nós mesmos.
         Complementaria esse item com uma citação de Jean Piaget, em seu livro Para onde vai a educação:
         “Proclamar que toda pessoa tem o direito à educação não é, pois, unicamente sugerir... que todo indivíduo, garantido por sua natureza psicobiológica ao atingir um nível de desenvolvimento já elevado [adquirido previamente na família e a pré-escola], possui, além disso, o direito de receber da sociedade a iniciação às tradições culturais e morais; é, pelo contrário... afirmar que o indivíduo não poderia adquirir essas estruturas mentais mais essenciais sem uma contribuição exterior, a exigir um certo meio social de formação, e que em todos os níveis... o fator social ou educativo constitui uma condição do desenvolvimento... é pois assumir uma responsabilidade muito mais pesada que a de assegurar a cada um a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo; significa, a rigor, garantir para toda criança o pleno desenvolvimento das suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondem ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual. E antes de mais nada... assumir a obrigação – levando em conta a contribuição e as aptidões que distinguem cada indivíduo – de nada destruir ou malbaratar das possibilidades que ele encerra e que cabe à sociedade ser a primeira a se beneficiar” (7ª edição; Livraria José Olimpyo - Unesco; pg 33-34; 1980 

JUSTIFICATIVAS PSICOPEDAGÓGICAS.

         A grande questão da pedagogia – entendida como a ciência que trata da educação de jovens, ou seja, de sua inserção ao mesmo tempo harmônica (conservação do ethos social) e conflituosa (transformação do ethos social), com base no conhecimento da dinâmica de seu processo de amadurecimento (cognitivo – intelectual; afetivo – motivação; social – adaptação) – é, a meu ver, determinar as condições e o momento adequado para apresentar os conteúdos culturais de uma sociedade para as novas gerações. Nesse sentido ela é muito devedora da psicologia, em especial a psicologia do desenvolvimento.
         Durante o processo ensino-aprendizagem, é necessário que ocorram os seguintes encaixes: o grau de complexidade da estrutura mental da criança com as possibilidades espaciais e a complexidade das normas de convivência dentro do ambiente escolar; o grau de complexidade da estrutura mental da criança com a complexidade dos conteúdos a ser apresentados para a criança; as características da estrutura mental da criança com a proposta de abordagem, o método, sugerida pelo professor. Algo que o profissional de educação pode encontrar de modo bastante minucioso na obra de Jean Piaget e naqueles que o traduziram para os professores, em especial Lauro de Oliveira Lima.
         A criança que sai da pré-escola deveria estar, se seguirmos a cronologia de Jean Piaget, pronta para ingressar na última fase de seu desenvolvimento mental – que se manifesta, ou assim deveria, de forma igual e solidária em seus aspecto cognitivo, afetivo e social – que ele batizou de operatório lógico-formal, ou abstrato; um tipo de estrutura mental absolutamente indispensável para que o aluno possa enfrentar as últimas séries do Ensino Fundamental e do Médio, com chances mínimas de ser bem-sucedido. Aqui, porém, acontecem dois problemas: esse desenvolvimento não ocorre necessariamente na mesma velocidade para todos os alunos e esse desenvolvimento pode ser afetado por diversos fatores, inclusive sociais.
         O desenvolvimento mental não ocorre ao mesmo tempo paras todas as crianças em virtude de ser um movimento espontâneo, interior á criança, não no sentido de que esta possa aprender sem professor ou sem a orientação de um adulto, mas no sentido que a resposta esperada à um ensinamento ocorre na forma de um ‘insight’, de uma ‘descoberta’, da mente da criança. Deve partir originalmente dela, e no tempo dela. É esse o sentido que Piaget dá quando fala de “aquisições espontâneas” da criança.
         O desenvolvimento mental pode sim ser tolhido de várias maneiras, pois, segundo Piaget, o desenvolvimento mental depende da correta integração entre quatro fatores:
a) Maturação biológica: a capacidade de entender determinados conteúdos, ou mesmo a forma de explorar determinados conteúdos, o método, varia com a idade, e está relacionado ao amadurecimento do seu sistema nervoso e endócrino, partindo dos conteúdos mais simples (para quem já os superou) para o mais complexo (conteúdos só manipuláveis por adultos “inteligentes”) – é inócuo pedir a crianças de 3 ou 4 anos para que debatam um tema, que se coloquem no lugar de outra criança, etc. Se a criança for apresentada a um currículo antes de estar biologicamente madura para entendê-lo, o mais provável é que desenvolva sérios problemas de aprendizagem e/ou disciplinar. O ritmo da maturação biológica, de uma maneira geral, é determinado pela evolução da espécie, embora possa variar, dentro de limites, em cada indivíduo, como é o caso de alguns “superdotados”, bem menos “superes” do que se imagina. No outro extremo, a criança que tiver a higidez de seu sistema nervoso ou hormonal alterado por alguma afecção, poderá, por conta disso, sofrer uma lentidão, retardo ou impedimento intransponível para alcançar os mais elevados níveis de desenvolvimento mental.
b) Experimentação pessoal: quando a criança é levada, ela mesma, a manipular os materiais e objetos da realidade ao seu redor, ela aprende melhor e mais rápido. Não adianta mostrar, é fundamental que a criança experimente por si mesma e desenvolva um conceito compatível com o seu nível mental atual, que precisa ser respeitado. Essa experimentação começa, é verdade, com objetos materiais, mas com o passar do tempo, quando ela ingressa no período operatório lógico-formal, essa experimentação ocorre também em relação a conceitos e valores, que são minuciosamente dissecados e criticados, em busca de alguma contradição (aspecto cognitivo) ou hipocrisia (aspecto moral), desde que a criança tenha liberdade para tal. Quando essa liberdade não existe, seja porque essa criança é muito mimada seja porque é muito reprimida, ela pode se atrasar no seu desenvolvimento. Nas comunidades onde há mais repressão, por razões de religião, política, higiene, etc., o nível médio de desenvolvimento mental (não digo inteligência, para que não se confunda apenas com o cognitivo) tende a cair.
c) Transmissão social: refere-se ao peso da ideologia social dominante, expressa por meio de palavras, modelos e comportamentos pelas pessoas do círculo social da criança incluído pais, parentes, amigos e professores, na formação da criança, que pode ter um caráter mais integrador, mais transformador, mais conservador ou desintegrador. No primeiro caso há uma visão idílica da sociedade e os pais fazem tudo para integrar a criança naquele que é, para eles, o melhor dos mundos, gerando uma atitude de excessiva confiança – é o jovem ‘new age’; no segundo caso a sociedade é vista como repleta de erros e desvios que precisam ser corrigidos, os pais tendem a criar uma personalidade mais voluntarista, afirmativa, às vezes de difícil convívio, mas capaz de altos voos, de muita imaginação e utopias – é o jovem “revolucionário”, contestador, tão saudável quanto temido pelo professor convencional; no terceiro caso há um apego muito forte ao passado (um passado idealizado, acrítico), e a antigos mitos e costumes, o medo dá as cartas e a racionalidade fica por um fio, criada nesse tipo de ambiente a criança desenvolve uma forte repulsa, movida pelo medo de “pecar”, a tudo o que está ao redor, e a sua postura mais comum é a de fuga, de não experimentar – é o garoto beato, que não interage com ninguém, pois foge de todos; no quarto caso o garoto já assimilou, por meio da família, amigos, etc., a ideia de que o mundo e as pessoas são maus ou hipócritas, e por conseguinte ele está desobrigado de agir honestamente no contato com as outras pessoas, esse é o mundo do jovem marginal, com sérios desvios de comportamento; ele é tão antissocial quanto  o beato, mas sua postura é de agredir a todo, seja por que meio for. Ultimamente tem se tornado comum, entre nós, outro tipo de ideologia desintegradora, naquela postura existencial de que só a sobrevivência imediata do individuo é o que importa, privando-o de sequer tentar expressar alguma forma de juízo sobre o que ocorre ao seu redor.
Por conseguinte, os obstáculos a uma aprendizagem saudável e ao pleno desenvolvimento são grandes, tornando indispensável que a ação pedagógica considere o ambiente formativo da criança e a escola busque por todos os meios integrar a família ao processo educacional, ou pelo menos não deixar que ela atrapalhe a ponto de bloquear emocionalmente o desenvolvimento mental de seus filhos. A ignorância dos aspectos afetivos da criança, que são afetados pelo convívio de famílias desestruturadas não deve em hipótese alguma ser ignorado. É em casa, pela transmissão social, que a criança aprende a respeitar o professor, amar o conhecimento, esperar o momento de ganhar o presente que ela fez por merecer, e se isso não for feito na família, a escola deverá dar uma resposta muito incisiva ás demandas afetivas da criança, conforme sejam adequadas e adaptativas ou inadequadas e desadaptativa, e se cercar de cuidados para fazer com que algo de bom ainda aconteça na vida dessas crianças. A importância do contexto familiar, escolar ou social no processo de desenvolvimento da criança pode bem ser medido por um axioma piagetiano: “aquele conteúdo que não é socializado tende a permanecer imaturo”, mesmo aqueles conteúdos que poderíamos classificar como mais estritamente cognitivos, que podem bem ser memorizados por quem só se dedica aos estudos, mas que nunca entendido em sua totalidade ou possibilidades, como quando o aprendiz tem uma vida social mais rica e estável. É a diferença entre ser superdotado (precocemente especializado) e ser inteligente (adequadamente preparado); invariavelmente o primeiro trabalha para o segundo.
d) Equilibração: é um mecanismo interno de integração sistêmica da mente, que organiza e dá sentido às experiências antigas, por meio das quais seleciona e incorpora novas experiências, reorganizando o todo, orientando as estruturas mentais para uma maior abertura e estabilidade, afinando, inclusive, a sua sensibilidade, das estruturas mentais, no sentido de prever o desdobramento de certas ações, sem nem precisar reproduzi-las concretamente ou leva-las até o seu final, sejam elas feitas pelo próprio organismo ou por outros. Esse mecanismo tão caro à operação mental de síntese e perspectiva, indispensável para quem trabalha com projetos, está indissoluvelmente ligado aos outros três fatores – cada um deles interfere na maturação dos outros três e é por estes modificado. O sucesso da equilibração depende fundamentalmente de fatores internos ao indivíduo, é algo a que só ele pode ativar e saber, antes de todos, aonde vai dar.
Por conseguinte, toda vez que um professor vai propor um conteúdo, e até um método de explorar o conteúdo a uma turma ele precisa saber se todos os alunos, ou pelo menos a maioria, a) dispõe de condições biológicas indispensáveis para isso – não as possuem os alunos INTEL e aqueles que são promovidos ou matriculados precocemente nos cursos; b) se eles se sentem autorizados para manipular, ainda que só mentalmente, os conteúdos que o professor deseja transmitir – um beato radical pode rejeitar a discutir temas como a evolução, uma doutrina materialista, a evolução dos costumes sexuais na sociedade moderna, etc.; d) se a ideologização que eles sofrem no ambiente doméstico ou no entorno é de tal forma a ajudar na aquisição dos conteúdos escolares ou é antes um empecilho; e) se o professor conhece as etapas do desenvolvimento mental da criança e é capaz de explorar e valorizar a sua capacidade de dar respostas originais a antigos questionamentos?
Isso posto, vejamos o que ocorre atualmente na escola.
Situação Escolar Atual
Há uma pressão, por parte do sistema educacional, com a conivência agradecida e inconsciente da família – por isso mesmo repleta de sentimentos de culpa que invariavelmente explodem em pequenos acidentes escolares, transformados, pelos pais, em caso de polícia – no sentido de antecipar a entrada da criança nas séries mais elevadas, sem considerar a maturidade mental (cognitiva, afetiva e social) da criança, que, como vimos acima, é fundamental para que ela possa adquirir o conhecimento que o currículo escolar espera dela. E nós, professores desse nível de ensino, percebemos claramente os seus efeitos da seguinte maneira:
a) Os alunos não mostram ter captado nem as formas mais básicas da leitura de textos na língua pátria, se é que ainda há alguma língua pátria na mixórdia em que se tornou a aprendizagem da língua – eles ignoram as sílabas, a separação das sílabas no final das linhas, as formas mais elementares de acentuação (o acento desapareceu dos textos), as situações de letras maiúsculas (igualmente extintas), o espaçamento dos parágrafos, etc. Os erros de ortografia são brutais, assim como a deformação das letras que torna quase inviável o trabalho de leitura e avaliação. Boa parte dessas dificuldades decorre da precocidade com que estas crianças estão sendo apresentadas a conteúdos de uma complexidade bem superior à de suas estruturas mentais.
b) A transmissão social de conteúdos socialmente relevantes para a comunidade falha de uma forma tal, que essas crianças, seja porque os pais estão muito ausentes da educação dos filhos, a maioria lutando para lhes dar um mínimo de conforto material, seja porque elas, as crianças, são muito novas, e ignoram até as coisas mais básicas de sua existência concreta imediata, como o nome da rua e do bairro onde moram, o nome do prefeito, para quem seus pais fizeram campanha, o nome da capital do seu estado, os estados brasileiros, etc., quando a complexidade do currículo das últimas quatro séries do Ensino Fundamental supõe que elas já tragam isso bem estruturado de casa. Não é o que está acontecendo.
c) A transmissão social também falha miseravelmente quando se trata de ensinar, em casa, as crianças a valorizar a escola, o conhecimento formal e a respeitar seus professores, como o elo indispensável entre a família, a sociedade e um conhecimento que lhe abrirá um caminho de possibilidades e superação sequer imaginadas. A criança não está aprendendo, em casa, a respeitar o professor enquanto pessoa – o professor é, no Brasil, apenas uma espécie de babá de luxo, em um depósito de crianças, a escola, num país onde esse tipo de atividade, o cuidador de crianças, foi historicamente exercido pelos escravos mais boçais, sendo, por muito tempo, após a abolição, uma das fortes reminiscências do sistema escravista – nem como profissional, porque muitos não acreditam mais na eficácia dos estudos para prover a sobrevivência, num país onde astros milionários do esporte e das artes são semianalfabetos, e as escolas não conseguem ser polos de prática esportiva e berçário de atletas. 
d) A defasagem dessas crianças, tão prematuramente arrastadas ao Ensino Fundamental, não é só intelectual, mas é também afetiva, e transparece na sua incapacidade de mobilizar sua vontade, sua paciência, para enfrentar os obstáculos, os desafios propostos à sua inteligência. Como as crianças menores, pré-operatórias, nossos adolescentes desistem muito fácil, ante a primeira dificuldade, e se entregam ao derrotismo, a um “não sei”, que está sempre na ponta de suas línguas.
e) Nas suas relações sociais também aparece os sintomas de sua imaturidade, na forma como estão continuamente chamando a atenção do professor, como se fossem crianças pequenas buscando a aprovação de papai e mamãe; nas eternas denúncias contra seus próprios colegas; na dificuldade intransponível de interagir com esse ou aquele, em virtude de algum detalhe aparentemente irrelevante, às vezes a cor da pele; na natureza de suas demandas ou denúncias, absolutamente incompatíveis com a dinâmica da escola, com se eles ainda estivessem em casa, e o professor fosse uma espécie de parente, um “tio” ou “tia”, pronto a satisfazer os seus caprichos.
É claro que essas crianças estão defasadas, inclusive para a sua faixa etária, se considerarmos os referenciais que Piaget criou para o desenvolvimento de crianças europeias, no início do século XX!!! É que elas sofrem na pele, mais do que ninguém o efeito da desestruturação das famílias resultantes da crise econômica e de valores de nossa sociedade, mas desse mesmo cenário podemos tirar um questionamento: como é que a crianças assim, tornamos ainda mais difícil a aquisição de um conhecimento tão importante e estratégico como a história, construindo um currículo baseado fundamentalmente na organização cronológica do conteúdo, a partir da história geral?
O Conteúdo Atual de História
É verdade que a noção de tempo é primordial à construção do saber histórico, mas também o é a noção de espaço, sem falar que, mesmo admitindo isso, ainda cabe um questionamento fundamental: a noção de tempo e de espaço na criança e no adolescente é exatamente a mesma do adulto, do professor universitário? A natureza do seu conceito de história, as démarches que ela passa para conceituar a sua realidade são as mesmas sofridas pelos adultos? A resposta é um NÃO peremptório. Não iremos aqui entrar em maiores detalhes sobre esse assunto, mas, por enquanto, é bom saber que até determinada idade as crianças não conseguem representar, embora percebam perceptualmente, sequer as mudanças de posição de corpos no espaço, quanto menos o conceito de evolução das sociedades, fundamental ao moderno entendimento da história. Como, pois, vamos exigir uma noção de tempo que se conta em milhares (a evolução das civilizações) e até milhões de anos (a evolução dos seres humanos), a crianças ainda tão novas, algumas apresentando falhas mentais consideráveis.
O tempo e o espaço, portanto, são apenas alguns dos fatores que entram no entendimento do conceito de história, e não podem de maneira nenhuma ser absolutizados, mas mesmo se considerarmos a questão do espaço, devemos ter em mente que será um espaço não abstrato, não conceitual, não completamente uniforme, ainda impossível nessa idade, mas antes de espaço vivencial, experimentado pelo sujeito – é por isso que muita gente não acredita ainda que o homem chegou à lua, porque não é capaz de construir um espaço conceitual onde essa possibilidade existe.
Mas não é só isso, todo conhecimento parte, como bem demonstrou Piaget, do que este chama de “esquema de assimilação”, que é um conjunto articulado conhecimentos prévios, um modelo de ação – todo conhecimento deriva sempre uma ação motora, verbal ou mental – adquirido em casa e alhures, nos quais ele buscará suportes significativos para dar sentido aos novos conhecimentos que vai adquirindo, por meio de comparações, analogias, e outros esquemas lógicos derivados de aprendizagem anterior. Ora, os esquemas anteriores de aprendizagem desses alunos se referem às vivências no seio de sua família, de sua rua e bairro, além dos amigos da escola, todos caudatários da cultura brasileira. Não há ainda, como justificamos no parágrafo anterior, uma identidade brasileira compreendida no tempo (evolução de nossa sociedade) e no espaço (todo o território nacional minimante entendido em sua diversidade), que é preciso construir agora. Esse é o tempo.
Como podemos pedir a essas crianças que se familiarizem, de uma hora para outra, com nomes e hábitos estranhos à sua cultura, quando elas sequer ainda absorveram o mais profundo de sua própria cultura , num nívelcompatível com seu desenvolvimento atual? Como esperar que elas criem uma noção de tempo tão longa, quando elas se mostram incapazes até de lidar com contagem de séculos – digo isso por experiência em sala de aula, onde até 90% dos alunos de 6º Ano se mostram impermeáveis à aprendizagem da transformação de data em século, quando não ignoram, em grande número, até o elementar dos algarismos romanos. A falha no ensino da matemática, amplamente detectada em exames, repercute na história, clamando para que esta se torne mais compatível com o desenvolvimento mental e a cultura de nossos alunos.
Outra grande inadequação é a preparação, para o ensino da história, iniciar-se por uma introdução ao conceito abstrato de tempo, sobre o qual já falamos acima, vendo como ele é tratado por diversas culturas, o que não ajuda em nada o conhecimento histórico propriamente dito, que é, nessa fase da vida das crianças, mais vivencial, mais comparativo, que conceitual, sem falar de toda uma introdução aos temas das ex-“ciências auxiliares” da história, como arqueologia, cronologia, epigrafia, paleontologia, etc., absolutamente inútil nesse período de desenvolvimento, inclusive porque, como vimos, sequer se formou ainda um conceito lógico, científico, de história pela criança. Isso é um assunto mais para especialistas, e é por isso que, no passado, essa temática só aparecia no Ensino Médio (o antigo científico)!
Outra grande dificuldade é a apostila, uma vez que nela parecem problemas e texto que, nas minhas turmas, têm–se mostrado muito acima da capacidade de resolução e compreensão dos alunos, tornando-se uma fonte de estresse para estes e para os professores. Para os alunos pelo fato de virem uma grande variedade de exercícios não resolvidos, e folhas em branco, deixadas para trás, atestando o quanto eles estão despreparados (uma bofetada na sua autoestima), e para os professores que, percebendo que aquilo está bem acima da capacidade de seus alunos, se questiona sobre sua capacidade, e a de seus colegas das séries anteriores, e se ele, por ventura, não estaria se afastando da diretriz da Secretaria de Educação (uma bofetada na sua motivação profissional). Por mais que ele faça os alunos não entendem.
Para mim, o grande problema da apostila é que ela tenta unificar, artificialmente, o que é naturalmente diverso, ou seja, o nível de compreensão e de cultura médio dos alunos de cada escola da SE. De fato, o nível de informação, e até de entendimento, de um aluno que mora próximo a um bairro de classe média de uma grande cidade, mesmo sendo pobre, normalmente excede a mesma capacidade de um menino de uma escola rural, ou de uma cidade menor, isolada de uma série de serviços culturais típicos de grandes centros, inclusive os vinculados à história, como os museus, ainda que seja financeiramente abastado.
Vejamos o primeiro conteúdo previsto no currículo do 6º Ano: “Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da história”. Ora, o próprio conceito de cultura é um dos mais ambíguos e questionáveis entre os muitos das Ciências Humanas. A possibilidade de o conteúdo “os suportes e os instrumentos de escrita”, despertar algum interesse nos alunos é simplesmente nulo, mesmo que se façam longos e tediosos atalhos buscando elementos vivenciais de comparação no mundo da criança. A temática é abstrata, desinteressante, você precisa transpô-la às pressas, para não matar o aluno de tédio, ou desviá-lo excessivamente da essência do conteúdo, atordoando-o com um monte de novas experiências, conceitos, frases e explicações.
         Outro problema é a enumeração de habilidades e competência, requeridas ou previstas para cada tema, voltadas exclusivamente à aquisição de conteúdos, ou a aquisição de comportamentos, muito indefinidos ou abertos a “n” interpretações como: “reconhecer os acontecimentos históricos em sua temporalidade, estabelecendo relações de anterioridade e posterioridade”. Uma habilidade dessas é impossível de ser apresentada a um aluno, sendo de difícil compreensão até para um professor.
Repito: se o conteúdo não for familiar e significativo ao aluno ele não se interessará, ou como diria um grande professor, Lauro de Oliveira Lima: “o interesse (a motivação) é o termômetro (é proporcional a) da necessidade”. Vejamos essa habilidade a que nos propõe o currículo da SEE: “identificar nos códigos legais a presença e a preservação de desigualdades que caracterizam as sociedades ao longo da história”. Ou seja, o autor dessa proposta supõe que alunos da 5ª série/6° Ano, entre dez e doze anos de idade, estão vivamente interessados em questões jurídicas, e as suas consequências sociais, quando qualquer um sabe que nem os pais delas pensam nisso, porque se pensassem o país não seria como é hoje. Tampouco a esse respeito se preocupam sequer a maior parte dos estudantes das universidades, que a muito tempo abandonaram as grandes lutas sociais, para se concentrar no seu sucesso pessoal e na sobrevivência física da universidade pública. Que pensar ainda de “reconhecer a África como o lugar do surgimento da humanidade a partir de dados e vestígios arqueológicos” (idem). É possível alguém “reconhecer” outra coisa com os dados que se tem hoje? É proibido pensar o contrário se novos dados desmentirem essa “verdade”? Em que essa crença ajudará a pessoa comum a viver melhor, que tipo de soluções trará aos problemas da sua vida, ou o autor dessa proposta acredita na ciência “desinteressada”, construída pelo simples amor à “verdade”, como havia na Grécia Antiga, graças ao concurso de inúmeros escravos, ou o autor está querendo nos induzir a uma ideia de superioridade racial subjacente (a da raça negra)?
Uma coisa é reconhecer a presença da ideologia nas conclusões e sínteses científicas, sempre insuficientes e histórica e culturalmente condicionadas. Mas outra bem diferente, e muito mais grave, é transformar a ciência em ideologia, e o ato de ensinar e aprender numa “catequese” político-ideológica, transformando o conteúdo numa “camisa de força”, como acontece com essas “habilidades” previstas e os exercícios da apostila da SEE. É preciso, por meio de questionamentos livres, superar as condicionantes ideológicas do entorno do aluno, dentro de suas possibilidades cogno-afetivas atuais, abrindo espaço para uma escola que seja, de fato, transformadora.
Por que ao invés dos exercícios estranhos da atual apostila, a SEE não se limita a propor os temas de estudo da disciplina, de acordo com cada série, não estimula e premia os professores que fizerem, eles próprios, textos didáticos adaptados aos seus alunos sobre esses temas, desde que sejam submetidos ao crivo de especialistas para questões de ortografia e outros impedimentos legais, sendo esse um fator de promoção funcional?
Concluindo: a atual conformação dos conteúdos, privilegiando o aspecto cronológico, faz um desserviço à formação cidadã do aluno, que é, antes de tudo, o cidadão da sociedade paulista e brasileira, antes de ser um cidadão do mundo, e o membro de uma classe social ligada a elementos dessa mesma classe, dispostos, pelo mundo inteiro, ligados por laços de solidariedade classista, que existem em vários países, impermeáveis à realidade cultural, como nos quis fazer crer uma doutrina bastante questionável? Sem uma boa base de história nacional não haverá identidade possível, e sem identidade não haverá engajamento pela melhoria da sociedade, mas apenas luta selvagem pela sobrevivência e bem estar pessoal, inclusive à revelia da sobrevivência e de interesse de terceiros que a história quis que fossem seus vizinhos e irmãos de projeto nacional. Querer mudar o mundo sem antes mudar nosso próprio país é um equívoco grotesco.
Como diria o psicólogo americano Paul H. Mussen: “Paralelamente á expansão de mundo social, as crianças [adolescentes] descobrem outros modelos de identificação [identificação entendida como “impulso ou motivo aprendido para ser semelhante a outro indivíduo” (idem)]entre seus colegas, professores, ministros religiosos, heróis de ficção, da televisão e do cinema [ele esqueceu de dizer “da história”]. Tentam, então, adotar seus comportamentos, características e ideais. No fim, a personalidade do indivíduo estará baseada numa longa série de identificações. Algumas das características dos pais [por aí se vê o desastre que é uma família desfeita], além do comportamento e ideias de um grande número de agentes [sociais], serão incorporados. Erickson sugere que a A ADOLESCÊNCIA É O PERÍODO CRÍTICO PARA A INTEGRAÇÃO E SÍNTESE DAS IDENTIFICAÇÕES PASSADAS, para a eliminação ded algumas e o fortalecimento de outras. O adolescente defronta-se com uma crise de identidade, que implica descobrir-se... [prossegue citando Erickson] ‘A identidade que o adolescente procura esclarecer é a referente a quem é ele, qual o deve ser o seu papel na sociedade’...” (O desenvolvimento psicológico da criança; 11ª edição; Guanabara; rio de janeiro; 1987; pg 109-111).
A pedagogia não tem nada a dizer a respeito disso? Pois a história tem: “Os povos ressentem-se eternamente de sua origem. As circunstâncias que os acompanharam ao nascer e que os ajudaram a desenvolver-se influem sobre toda a sua existência... Se fosse possível a todas as nações remontar... à origem de sua história, não duvido que aí poderíamos descobrir a causa primária das prevenções, dos usos e paixões dominantes, - de tudo, enfim quanto compõe o que se chama caráter nacional” (Alexis Tocquiville, citado por Adolfo Varnhagen, in História geral do Brasil – antes da sua separação e independência de Portugal; 2ª edição; casa de E. e H. Laemmert; s/d; edição online da Biblioteca Midlin - USP).
Pode-se até contestar a validade ou a possibilidade de encontrar e definir um caráter ou uma identidade para uma realidade social tão heterogênea como uma nação, mas não se pode negar a importância fundamental que esses temas (caráter e identidade) têm para a formação do indivíduo isolado, em geral na sua adolescência e juventude, e menos ainda que esses temas, no indivíduo, sofrem uma influência incontestável desses mesmos temas presentes na comunidade onde vivem, que também se sujeita às pressões da comunidade nacional, sob pena de se negar a presença da sociedade local na formação do indivíduo e da nação na comunidade local. Um absurdo!
Precisamos parar de atrapalhar, como acontece com a atual disposição dos conteúdos de história, prevista no currículo, a difícil tarefa da busca por identidade de nossos alunos.

PROPOSTAS

         Quanto ao Conteúdo
         De uma maneira geral, nós recomendamos o seguinte:
         Dar mais ênfase, no Ensino Fundamental, à História do Brasil, tratada como uma ferramenta fundamental para a formação da identidade do aluno, e de sua relação unitária com a vizinhança próxima, base indispensável para a formação de um conceito de “cidadania” – membros de uma mesma cidade, ou comunidade, que se ajudam e respeitam, inclusive pela preservação de um passado comum, abertos ao ingresso de novos membros e ao contato com outras realidades sociais – neste ponto ninguém parte do zero, antes, bem fundamentado na história da sua cultura, sabe melhor o que preservar e o que modificar em sua cultura original.
         Dar mais ênfase, nessa fase, à história factual, para criar nos alunos uma base de dados, a mais vasta possível, que lhe permita, posteriormente, dependendo do desenvolvimento de sua capacidade de raciocínio, criar a sua própria concepção de história, no grau e profundidade compatível com a sua escolha profissional ou área de conhecimento de sua predileção. Não podemos perder de vista que a escola pública estadual é uma escola generalista e que não pode, por conseguinte, exigir dos alunos um grau de abstração, coleta de dados e conclusão compatíveis com o Ensino Superior e os cursos de especialização – é claro que se houver um ou vários alunos nesse nível o professor deve estimulá-los, sem perder aos outros de vista.
         Que os professores e formuladores de políticas públicas na área de educação tenham em mente as mudanças que a aprovação de medidas, muitas vezes afobada e motivada por interesses nada pedagógicos, provocam, e que demandam mudanças curriculares repentinas. É necessário, a meu ver, flexibilizar mais o currículo, assim como a abordagem dos conteúdos, ao invés de amarrá-los, como acontece hoje, em virtude da ênfase conteudística atual.
         Que o conteúdo do Ensino Fundamental seja de forma a facilitar ganchos com a vivência anterior do aluno, na escola e em sua comunidade, de tal sorte a facilitar-lhe o encontro de um sentido no novo manancial de informações que lhe chega por meio das aulas e pesquisas em casa, e que ele encontre, nesse manancial ressignificado por ele (aspecto cognitivo), algum tipo de necessidade para a sua vida, ampliando a sua motivação á escola (aspecto afetivo). O professor precisa estar atento ao tônus do aluno em sala de aula.
         Que o texto dos guias de estudo (livro-texto e apostilas) seja vazado numa linguagem simples, e em poucas palavras, preferindo-se a compreensão, antes que a erudição – ao invés de reproduzir um texto antigo fielmente, traduzi-lo em termos contemporâneos, sem, no entanto, cair na mediocridade. É preciso também dar algum estímulo para que o aluno amplie o seu volume de leitura e o seu vocabulário.
         Que o professor de história se esmere na pronúncia correta das palavras e na correta apresentação da escrita, sendo um exemplo do bom uso da norma culta da língua portuguesa.
         Que os temas do conteúdo partam da realidade imediata, ou mais próxima possível do aluno, expandindo-se gradualmente para temas cada vez mais distantes no tempo e no espaço – do passado do Brasil para o passado das civilizações, do espaço brasileiro para o espaço mundial.
         Que o conteúdo, nessa fase do desenvolvimento, seja visto num sentido mais adaptativo, afinal trata-se de um substrato, de um alicerce, onde mais tarde a criança, já um jovem, construirá o seu projeto de mundo, ao mesmo tempo viável e absolutamente pessoal.
         Que o que define a relevância histórica de um conteúdo básico, como o que é visto na escola fundamental, é o seu peso no conjunto da cultura nacional, e até no projeto nacional em curso, além da sua aceitação na comunidade acadêmica e na comunidade de vizinhos e amigos da criança – o aluno que dorme durante uma aula de matemática, português ou história, às vezes mostra uma garra fenomenal quando entra num terreno baldio para jogar uma “pelada” com seus pares (na adolescência o referencial psicossocial do indivíduo é o seu grupo de amigos e não a grande comunidade nacional, o que só acontecerá na etapa seguinte e final). É preciso, na escola, dar uma satisfação ao projeto cultural nacional e também ao projeto de vida do aluno.
         Que é necessário romper com a crença de que se o aluno não vir esse ou aquele tema do conteúdo, o aluno nunca mais saberá como lidar com ele, como se toda a imensa cultura histórica que move os profissionais do ramo e os ‘leigos’ interessados derivasse diretamente do aprendizado que, dessa ciência, se adquire no período escolar. Isso não é verdade em relação à história nem a nenhuma das áreas do conhecimento. O fundamental é criar no aluno uma espécie de interesse permanente pelo assunto que o mova a querer adquirir mais informações sobre o assunto, mesmo depois de saído da escola ou da universidade, ainda que de forma diletante, pelo prazer do conhecimento, já na fase adulta.
         Tampouco isso implica que o aluno não aprenderá de forma adequada os temas que se seguirão no conteúdo da disciplina, como se a aprendizagem de todas as matérias, inclusive as da área de humanas, que têm uma dinâmica diferente das de ciências, passasse rigorosamente pelo critério dos pré-requisitos, claramente perceptível na predominância dos aspectos cronológicos na elaboração do atual currículo, como nos cursos de especialização ou nas primeiras aprendizagens do período sensório motor (ver Piaget), onde antes de andar a criança precisa, necessariamente ficar de pé, e andar antes de correr, etc. Ora, não é assim que acontece nos últimos estágios da inteligência, quando a mente adquire uma flexibilidade e uma estabilidade, que é a principal marca das pessoas realmente inteligentes, flexibilidade essa que deveria começar a aparecer no currículo, justo o contrário do que mais se faz no sistema, que cada vez mais amplia seus mecanismos de controle, como se estivesse lidando com a linha de produção de uma fábrica de conservas.
         Tampouco implica que o aluno terá mais facilidade de aprender a matéria se as escolas estiverem milimetricamente engrenadas ao mesmo conteúdo, típico de uma visão quantitativista e linear do conhecimento. Não é assim que acontece pelos seguintes motivos:
         a) A mente da criança adolescente ou jovem é flexível, ou deveria ser, e essa flexibilidade precisa ser maior ainda na área de ciências humanas, onde a criação de leis, interpretação oficial dos fatos, é de um artificialismo gigantesco, gerando um enfado maior ainda (é curioso que as duas matérias mais detestadas pelos alunos, segundo o jornal Folha de São Paulo, sejam justamente a matemática, que demanda muito raciocínio sequenciado, disciplinado, embora por vários caminhos se possa chegar a um mesmo resultado certo, e a história, que demanda um raciocínio mais criativo e flexível, com vários caminhos e interpretações possíveis, sintoma do caráter antinatural, antipsicológico, do atual currículo).
         b) Os garotos, justamente pelo caráter antinatural do currículo, não se sentem atraídos pelo trabalho escolar, mas antes pelo encontro com os outros amigos (a percepção desse fenômeno fez as escolas finlandesas optarem por recreios de 75 minutos, e colher seus fartos frutos – ver http://www.businessinsider.com/finland-education-school-2011-12?op=1), numa sociedade que sistematicamente ignora o jovem e as suas necessidades de socialização, e que investe pouco em equipamentos públicos e lugares de encontros seguros para o jovem que não quer entrar nas drogas. Eles adoram ir à escola para jogar, para conversar, inclusive nos feriados e é isso que explica o sucesso da Escola da Família, nas escolas que investiram nesse projeto. A isso se soma ainda os métodos e posturas inadequados com que muitos professores, mal preparados, se apresentam em sala de aula, gerando barreiras afetivas aos conteúdos. Os meus alunos, que vieram de outras escolas e que eu invariavelmente sondo sobre o que aprenderam, quase nunca tem algo a dizer sobre o que viram lá e nunca alguém reclamou, além de uma observação isolada, ou mostrou vantagem, por estar revendo no segundo bimestre uma matéria que já vira no primeiro, em outra escola. Esta informação simplesmente esvaneceu-se na sua mente, embora esteja detalhadamente escrita no seu caderno.
         c) Uma engrenagem perfeita dos conteúdos nas escolas é impossível de se alcançar porque não só os professores, mas os alunos, são diferentes, têm um ritmo de ensino e de aprendizagem diferentes. Não adianta decretar a inexistência da subjetividade por meio de testes e outras medidas educacionais extemporâneas, isso é irreal. Sempre haverá um descompasso nos conteúdos ou na forma de explorar o conteúdo das escolas, que fará não fará grande diferença ao aluno que muda de escola. A diferença que mais os preocupa a esse respeito é a possibilidade de não se enturmar, (quem lida com jovens sabe que esse é que é o “X” da questão para o menino ou menina que muda de escola, a preocupação com o conteúdo é mínima ou nenhuma), mas nós podemos, pelo menos, não atrapalhar, amarrando excessivamente um conteúdo para este ou aquele bimestre, dando mais espaço aos interesses naturais dos alunos, que podem ser despertados por um filme, uma visita a uma exposição, etc.
Essa postura nova também demanda uma nova visão dos objetivos e da avaliação no currículo, sobre o qual discorrerei um pouco abaixo.

         Quanto aos Objetivos e Avaliação
         A esse respeito eu proponho que:
Que os objetivos da educação não se reduzam apenas aos aspectos cognitivos, capacidade de retenção (memória) e de ressignificação (reflexão crítica, discernimento) dos temas apresentados, a partir dos critérios estabelecidos pelo professor, mas se prolongue também para os aspectos afetivos (capacidade de mobilizar a vontade para encarar os desafios de cada tema dos conteúdos), e sociais (capacidade e interagir de maneira adequada com seus pares, com o corpo docente, gestores e mão de obra não qualificada) da comunidade escolar. É mais fácil o aluno mobilizar a sua vontade para encarar um desafio temático quando este lhe diz respeito ou quando, de alguma forma, a ele se refere, de uma maneira que o aluno consegue entender, a problemas que ele enfrenta no dia a dia, ou imagina enfrentar.
A esse respeito convém meditar as palavras do neurologista luso-americano António Damásio, em seu livro O erro de Descartes:
“É provável que as estratégias da razão humana não teriam se desenvolvido, quer em termos evolutivos, quer em termos de cada indivíduo particular, sem a força orientadora dos mecanismos de regulação biológica, dos quais a emoção e os sentimentos são expressões notáveis (pg 12)... a segunda ideia presente no livro é a de que a essência de um sentimento (o processo de viver uma emoção) não é uma qualidade mental ilusória associada a um objeto, mas sim a percepção direta de uma paisagem específica [que percebe]: a paisagem do corpo (pg 14)... os sentimentos, juntamente com as emoções que os originam, não são um luxo. Servem de guias internos e ajudam-nos a comunicar aos outros sinais que também podem guiar. E os sentimentos não são nem intangíveis nem ilusórios. Ao contrário da opinião científica tradicional, são precisamente tão cognitivos como qualquer outra percepção (pg15)... A distinção entre doenças do “cérebro” [cognição] e da “mente” [afetividade], entre problemas “neurológicos” e “psicológicos” ou “psiquiátricos”, constitui uma herança infeliz que penetra na sociedade e na medicina (pg 64)”.
Que se abandone, no aspecto cognitivo, o rol atual de habilidades e competências voltadas para os conteúdos em prol de outras competências e habilidades mais gerais e mais fáceis de serem descobertas e mensuradas, voltadas para o desenvolvimento mental, tomando como ponto de partida as formas mais gerais do pensamento lógico, usadas como ferramenta de reflexão e crítica pelos alunos, em qualquer um dos temas de conteúdos, viabilizando o trabalho de avaliação do professor (no currículo atual é impossível avaliar com seriedade, dado o excesso e a minúcia de habilidades e competências a serem avaliadas), esvaziando o estresse conteudístico na transferência dos alunos entre unidades escolares. Nesse sentido o professor avaliaria o domínio do aluno sobre as premissas do pensamento lógico, a saber:
a) Princípio da identidade: uma coisa é o que é, e não pode ser outra coisa.
b) Princípio da não contradição: uma coisa não pode ser ela e o seu oposto, ao mesmo tempo ou não. A contradição é algo comuníssimo, nos textos e debates sobre temas de história feitos por alunos do Ensino Fundamental e Médio.
c) Princípio do terceiro excluído: ou uma afirmação é verdadeira ou a sua negação é que é verdadeira; não existe uma terceira possibilidade. Distorções desse princípio também são comuns em salas de aula.
d) Princípio da razão suficiente: tudo tem uma causa natural e suficiente para que ocorra. Tudo o que existe provém de outra coisa que já existia previamente. É impressionante o número de alunos assustados e impressionados com uma das mais grosseiras falcatruas e falsificações da Internet: o ‘demônio’ Charlie, que mexe nas canetas cruzadas. Isso mostra um nível de pensamento ainda irracional, mágico, pré-científico, que domina inclusive jovens do Ensino Médio, saturados de informações inúteis, para cujo tratamento ou superação (desse pensamento mágico) a escola, pelo atual currículo, não tem nada a fazer: empurra-se mais matéria, mas negar, simplesmente, não adianta e o conteudismo não favorece à reflexão, à experimentação, à socialização e ao equilíbrio emocional, que poderiam ajudar a superar esse tipo de temor irracional.
e) Princípio da identidade dos indiscerníveis: se dois objetos têm igualmente as mesmas propriedades, eles são idênticos.
Além disso, outras ferramentas lógicas poderiam ser sugeridas aos alunos, de acordo com cada exercício, e observadas pelo professor como a capacidade do aluno de fazer ou entender uma analogia, uma metáfora, o sentido alegórico, a prova, etc. Isso é fácil de ser observado, corrigido, avaliado, e tornaria, de per si, os exercícios com conteúdo mais interessantes, sem falar que das pistas muito boas para intervir na maturação intelectual do aluno. Mas para isso acontecer é preciso que se mudem os objetivos e os parâmetros de avaliação do currículo.
         Que, superando o cognitivismo, superemos também a cultura importada dos exames e das questões objetivas do tipo ‘marcar com um “X”’, que contaminam o sistema e induzem os alunos a estudar apenas nas vésperas das provas, esquecendo tudo o que aprendeu após a conclusão destas, sem falar dos inúmeros problemas que eu vivenciei na minha juventude, nos anos 1960, e que agora experimento com meus alunos. Estamos retrocedendo, indo atrás de modelos que nada têm a ver com nossa cultura, nem com o que se sabe sobre psicologia do desenvolvimento, seguindo, principalmente, a bitolante escola oriental. A escola finlandesa, campeã com louvores no PISA e na formação de uma escola espetacular para uma nação idem, abomina testes e exames – “There is only mandatory standardized test in Finland, taken when children are 16”; Adam Taylor in: “26 Amazing Facts About Finland’s Unorthodox Education Sistem”. Ou seja, uma única prova, realizada no final do equivalente ao nosso Ensino Médio.
         Não menosprezar a influência do estresse afetivo, gerado pelo desacerto familiar, na capacidade da criança mobilizar as suas forças para se desincumbir de suas tarefas escolares, para se motivar a estas, e compete aos professores, equipe gestora e colaboradores, envidar todos os esforços possíveis para que a discussão dos temas educacionais não fique restrita apenas ao ambiente escolar, como se as experiências familiares não fossem relevantes no processo. Fazendo a família entra no jogo, inclusive no momento em que o menino, a menina, ainda pequenos, pedem aos pais ajuda para a resolução de uma tarefa de história, para que eles não se defrontem com nomes de civilizações e personagens antigos, há muito tempo esquecidos no baú de sua memória pessoal, com acontece atualmente.
         É preciso considerar os aspectos afetivos do comportamento, presentes na capacidade da criança mobilizar-se na resolução de problemas cognitivos, apesar das dificuldades intelectuais inerentes aos trabalhos escolares e dos percalços da socialização, conscientizando os professores para que observem e avaliem esse esforço, e o adicionem ao resultado final dos bimestres, assim como apontem problemas e busquem soluções para os desvios que observarem. Aqui nós poderíamos chamar a atenção para a capacidade da criança manter o foco no objetivo proposto para ela, e a sua resiliência ás frustrações.
         No aspecto da socialização, o objetivo deve ser o de tornar a criança mais autônoma possível, não dependente, aberta a integrar-se aos grupos mais variados, não ficando adstrita às panelinhas ou recusando-se a interagir com determinadas pessoas (pobres ou negras, brancas ou ricas, etc.), tampouco ser dependente do professor, solicitando-o a cada momento, para que aprove um trabalho ou uma iniciativa pessoal, confirme o que está claramente descrito na lousa ou , o que é pior, fique sabendo da peraltice oculta de um companheiro: eterno ‘dedo duro’. Nesse sentido é preciso que o professor seja mais preparado nas técnicas de dinâmica de grupo, entendidas não como a aplicação pura e simples de técnicas isoladas, pinçadas em alguma revista ou recomendada por algum especialista, mais ou menos como um comprimido que se toma para dor de cabeça, sem receita médica, mas antes como parte de uma formação profissional, conectada com um claro conhecimento do comportamento humano e da natureza das organizações coletivas.
         As crianças podem ser classificadas de acordo com o seu nível de predisposição e entendimento das tarefas coletivas, ajudando aquelas que apresentam maior dificuldade, enquanto o sistema se encarregará dos casos mais graves, com profissionais especializados.

DA DISPOSIÇÃO DOS CONTEÚDOS
        
         Essa é a minha proposta para os conteúdos bem como a sua justificativa e ementa. Pode se ver que não abandonamos completamente o esquema cronológico, apenas o relativizamos em função da facilidade de aprendizagem das crianças dos temas da história de sua própria nação. Nesse caso os esquemas de assimilação funcionam com mais facilidade = maior aprendizagem.
         Para o 6º Ano eu pensei na história do Brasil Colonial, sob o domínio estrito de Portugal, e na fase de transição que se seguiu, abarcada pelo Primeiro reinado e Regências, antes da criação de um sistema político tipicamente brasileiro, cheio de contradições, como foi o Segundo Reinado, deixado para o ano seguinte.
         Quem ler essa proposta não deve se preocupar muito com o excesso, ou a falta, de “entradas” ou temas. Não é isso que importa, mas antes a forma mais ou menos detalhada com o texto ou o professor vai explorar cada tema, tendo em mente que o 1º e o 2º Bimestres devem ser mais “ralos”, em matéria de conteúdo, uma vez que os alunos estão só começando o ano letivo.
         6º Ano
         1º Bimestre: Brasil Colonial
         - Os Indígenas Brasileiros:
         O professor buscaria explorar elementos factuais mais evidentes e fáceis de serem retidos como: a primazia deles na ocupação da terra, nome dos principais grupos ou povos indígenas, alguns de seus hábitos e costumes, muita reflexão e perguntas sobre o que os alunos sabem dos índios, se viram algum, se souberam alguma notícia recente deles, qual é a sua opinião sobre os índios. É um momento interessante para desbastar preconceitos trazidos de casa, de forma calma, convincente, sem fazer apelos a lei, que, nessa época é inútil para eles. A questão usar da lógica da cidadania e do respeito para conseguir o convencimento.
         Nesse momento não se fala em Pré-história, Povoamento da América, formação dos principais grupos indígenas fora do Brasil, as primeiras comunidades, como os homens do Sambaqui, a protobrasileira Luzia, sítios arqueológicos específicos, embora se possa falar sobre achados arqueológicos, desde que trazidos à aula pelos alunos, etc. O importante é trabalhar, agora, o Brasil e os brasileiros que eles estão vendo, ou a partir da totalidade “Brasil”, que só passou a existir como conceito a partir da chegada dos portugueses.
         - A Colonização Europeia do Brasil:
         Aqui nós estudamos a vinda de Cabral, a exploração do pau-brasil, a expedição de Martim Afonso (alguns detalhes de sua estadia), a ação de contrabandistas, as Capitanias Hereditárias, o Governo Geral, vilas e câmaras.
         Nesse momento não nos referimos ainda à história de Portugal, que nos obrigaria e mergulhar em outros conceitos estranhos como Idade Média, Feudalismo, Expansão Comercial Europeia do Século XV, Burguesia, etc. Não, vamos nos restringir só ao Brasil e à forma como os naturais da terra receberam os “estranhos”, e como eles, após escorraçar aos naturais, acabaram se apossando da terra e criando, junto com os nativos e os africanos, a etnia nacional. Podemos dizer que será apenas a história da “nossa casa”.
         2º Bimestre: Brasil Colonial
         - A Economia Colonial:
         1 – A agroindústria açucareira
         A opção pela cana-de-açúcar, a questão da mão de obra (escravização indígena), a vinda de africanos (causas e consequências disso), a forma como se organizava o engenho, o beneficiamento do açúcar, a sociedade açucareira.
         Nesse momento ainda não se faz menção à história dos reinos africanos, menos ainda da pré-história da África, assim como da realidade política e social do continente nesse período. Outro ponto também é não colocar muitos elementos, muitos detalhes, para não confundir a criança nem se perder o essencial do tema, na visão do professor.
         2 - A pecuária
         A ligação com os engenhos, a interiorização da pecuária, a colonização do semiárido, a sociedade do semiárido.
         3 – As Drogas do Sertão
         Definição, a ocupação da Bacia Amazônica, a sociedade amazônica.
         - A Religiosidade Colonial
         Os jesuítas, os padres e bispos do rei, a religião popular, as missões jesuíticas do sul.
         - Invasões Estrangeiras
         Invasões Francesas, Invasões Holandesas, resultado e marcas dessas invasões, com ênfase na ocupação holandesa do Nordeste.
         3º Bimestre: Brasil Colonial
- Resistências à Colonização
         A mudança de atitude de índios e portugueses (de cooperação a confrontação), causas dessa mudança, os confrontos com os índios, os Bandeirantes Paulistas, os quilombos afro-americanos (com ênfase em Palmares), as lutas dos índios da Amazônia.
A Religiosidade Colonial
         Os jesuítas, os padres e bispos do rei, a religião popular, as missões jesuíticas do sul.
         - A Sociedade Mineradora
         A descoberta de ouro em Minas, as consequências disso para a colonização, o aumento da repressão colonial, a costumes da sociedade mineradora, apogeu da mineração. O empobrecimento de Portugal, o aumento da cobrança de impostos, a Inconfidência Mineira, a Conjura Baiana.
         4º Bimestre: Brasil Colonial e Transição
         - A vinda da Família Real
         A chegada de D. João, os principais acontecimentos da corte no Rio de Janeiro, a volta de D João VI, a Independência do Brasil.
         Esse tema, assim como o anterior, por estar situado no final do ano letivo, e por serem temas bons para o entendimento do que se virá, pode ser vistos com mais minúcia e vagar.
         - O Primeiro Reinado
         O governo de D Pedro I, a Constituição de 1824, a Confederação do Equador, o Reconhecimento da Independência, a Guerra da Cisplatina, Abdicação.
         - As Regências
         Tempo de crise e violência, luta entre os grupos, o Golpe da Maioridade.

         7º Ano
         1º Bimestre: o Brasil Imperial
         - A Sociedade Imperial
         a) A política do Império: o poder do imperador, os partidos, o poder das grandes famílias, a nobreza imperial.
         É possível até falar sobre o Parlamentarismo às Avessas, mas de uma maneira muito superficial e sem muita cobrança, pois a complexidade do sistema parlamentarista está muito acima da compreensão deles, e o resultado pode ser uma distorção, por excesso de informação ou analogias mal elaboradas ou mal entendidas. É melhor falar apenas superficialmente.
         b) A economia do Império: a herança colonial, a monocultura, o café, os déficit financeiros, o acirramento do escravagismo.
         c) a política externa do Império: as Questões Platinas, a Guerra do Paraguai.
         2.º Bimestre: o Brasil Republicano
         - A crise do Império e a República
         A Questão Religiosa, a Questão Abolicionista, a Questão Militar, a Proclamação da República.
         - A República das Oligarquias
         Os primeiros presidentes, as principais revoltas e grupos armados (cangaceiros), a sociedade nesse período, o jogo político, o Coronelismo, o povo longe do poder.
         3° Bimestre: Brasil Republicano
         - A Era Vargas
         A Revolução de 1930, o levante paulista, a Constituinte de 1934, o levante comunista, o Golpe do Estado Novo, a ditadura getulista, a industrialização do Brasil, o Brasil na Segunda Guerra.
         - A Democracia Populista
         Características do período entre 1945 e 1964, mudanças na sociedade brasileira, a agitação nas ruas, o Golpe Militar.
         4º Bimestre: Brasil Republicano
         - O Regime Militar
         Os primeiros anos, os Anos de Chumbo, distenção, a sociedade do Regime Militar, o fim do Regime Militar.
         Em que pese eu preferir a expressão Oligarquia Militar a Regime Militar, como o termo é estranho à realidade dos alunos, usarei o termo mais simples na esperança de que cause menos mal entendidos.
         - A Democratização
         A democracia plena no Brasil, a grande crise econômico-financeira, a sociedade brasileira atual.

         8º Ano
         Creio que os alunos do 8º Ano avançaram bem, em relação aos do 6º Ano no que tange a sua capacidade de realizar raciocínios complexos ou lógicos, com suas variedades, estabelecer analogias, fazer comparações, projeções, etc. mas tudo ainda numa linguagem simples, despojada e direta, sem muitos elementos de destaque no texto.
1° Bimestre: Pré-História e Antiguidade Oriental
         - Pré-história
         Os períodos da Pré-história

a) Paleolítico: os antigos homens pré-históricos, o modo de vida (nômade), grandes descobertas do paleolítico (fogo, arte, magia), o povoamento da América (a origem dos índios brasileiros, assim como os desafios provocados pelas escavações arqueológicas no Brasil (Luzia, Sitio da Pedra Furada, etc.) e alhures), descobertas pré-históricas em Portugal.
Não creio ser adequado entrar em discussões arqueológicas controvertidas, como a descoberta do crânio de Luzia, Lagoa Santa e o sítio da Serra da Capivara, que podem ser citados de passagem.
b) Neolítico: mudança tecnológica, a descoberta da agricultura, as primeiras cidades (sedentarização), o comércio, a cerâmica, etc.
- Antiguidade
          a) Antiguidade Oriental: uma menção muito rápida sobre as grandes civilizações dessa região, a saber: os egípcios, os sumérios, os babilônicos, os assírios, os hebreus, os fenícios e os persas, de preferência referindo-se a realizações desses povos que podem ser vistas até hoje, ou realizações intelectuais até hoje em uso ou conceitos muito usados como: as pirâmides, os zigurates, os Faraós, religiões politeístas, matemática, astronomia, as escritas, A epopeia de Gilgamesh, etc. Pode-se explorar um pouco mais dos persas, para fazer um gancho com o tema que se segue.
         2º Bimestre: Antiguidade Ocidental (continuação da precedente)
         - Mundo Greco-romano       
b) Antiguidade Ocidental: vista com mais vagar e minúcia, porque faz parte mais fortemente da nossa herança cultural, do nosso modo de pensar e enxergar a realidade, diferente dos orientais.
b.1. Civilização Grega: Os cretenses, os Aqueus, as grandes Pólis (Esparta e Atenas), as Guerras Greco-Pérsicas, a Guerra do Peloponeso, a dominação macedônia, o Helenismo, a sociedade grega (costumes, cultura, etc.).
b.2. Civilização romana: a origem de Roma, a sua expansão na República, as Guerras Púnicas, o domínio do Mediterrâneo, o Império Romano, a sociedade romana, o escravismo romano, as influências de Roma na nossa cultura via Portugal.
3º Bimestre – Idade Média
- Invasões Bárbaras
A crise do Império Romano, a queda de Roma e as mudanças na Europa, o Reino Franco, as sociedades germânicas, novas invasões, o fim do Império Carolíngio
- O Islamismo
A religião islâmica, a expansão islâmica, a conquista da Península Ibérica, a sociedade islâmica, a influência islâmica na nossa formação.
- O Feudalismo
As características políticas, econômicas e sociais do feudalismo, as grandes guerras feudais (Cem Anos e Cruzadas), a formação de Portugal, a formação dos estados africanos ao sul do Saara.
4º Bimestre – Transição
- Crise do Feudalismo
Cultura medieval, Renascimento, Reforma
- Surgimento do Capitalismo
Revolução urbana e comercial, as grandes navegações (com ênfase em Portugal), o descobrimento do Brasil, o impacto da escravidão nas sociedades africanas.
- Colonização da América
Colonização espanhola, colonização Inglesa, colonização portuguesa.

9º Ano
1º Bimestre - Transição
- Monarquias Europeias (com ênfase na Inglaterra e França)
Formação do sistema parlamentar inglês, teorias absolutistas, o Absolutismo na França.
- O iluminismo e a Revolução Francesa
A teoria iluminista, as independências americanas, a Revolução Francesa, a Era napoleônica.
2º Bimestre – Era contemporânea
- A Revolução Industrial
A Primeira Revolução Industrial, a Segunda revolução Industrial,
- As Lutas Sociais
Burgueses e operários, liberalismo, socialismo e marxismo,
- O Imperialismo
A partilha da África (como uma forma de expansão capitalista e alocação de excedentes humanos, para redução das tensões sócias na Europa, a custa dá África)
         3º Bimestre – Era Contemporânea
         - A Decadência da Europa Ocidental
         Primeira Guerra Mundial, Facismo, Nazismo.
         - A Ascensão do EUA
         A expansão para o Oeste, a Guerra civil, o Imperialismo americano, a quebra da bolsa de Nova York, a Segunda guerra Mundial.
         4° Bimestre – Mundo atual
         Mundo Pós-guerra
         Guerra Fria, descolonização (África, Ásia, América Latina), fim do bloco soviético, globalização.

RECOMENDAÇÕES FINAIS
        
         A quantidade de temas, dentro do conteúdo da disciplina, deve ser a mais simples e reduzida possível, para que o professor possa aprofundar apenas aquilo que ele, de acordo com a sua percepção do curso, possa levar mais vantagens, facilitando a compreensão, para os seus alunos.
O ritmo de exploração dos temas deve se coordenar com o ritmo médio de aprendizagem da turma, de sorte que o professor não se veja tentado a empurrar, precipitadamente, uma carrada de informações superficiais sobre o aluno, que mal dá conta de pouco volume de conteúdo, gerando estresse para este e o professor.
         A disposição dos temas também deve ser modificada, sempre que o professor sentir que, pela sua forma de abordar os temas de história, que um conteúdo mais à frente, se encaixa melhor que o imediatamente a seguir.
         Que a SEE, incentive os professores, tanto do ensino Fundamental como do Médio, para que escrevam, eles mesmos, os manuais para seus alunos, adaptados às necessidades destes e à sua abordagem de história, com a Secretaria apenas determinado a ordem dos conteúdos, com os autores recebendo do governo apoio para o financiamento e distribuição dessas obras entre seus alunos, podendo, por meio desses textos, melhorar a sua posição dentro do sistema – ascender funcionalmente, conseguir ganhos salariais, etc. prêmios esses que seriam acrescidos sempre que a obra fosse atualizada, dentro de certo espaço de tempo. Creio que esse tipo de iniciativa estimularia a continuidade rigorosamente necessária entre pesquisa e prática, elevaria a autoestima dos professores e substituiria com vantagens a as atuais apostilas, que induzem, inutilmente, a uma uniformização de conteúdos intolerável.
         Dentro da perspectiva de melhoria das condições de ensino, em especial do professor, que está muito decaído e desesperançado – não existe nada mais deprimente e sufocante que uma sala de professores – está a criação de mecanismos, em especial órgãos colegiados dentro das escolas, com a participação de professores e com poderes de fato para dirigir o funcionamento da escola, cessando o absolutismo dos diretores, e outros que de alguma forma ajudassem a prestigiar a categoria, sem que, necessariamente, se façam aumentos substanciais de salários, até isso é possível, desde que o professor perceba que é valorizado e estimado pelas autoridades e pelas pessoas da comunidade. Esse é o maior impulso que a categoria precisa receber nesse momento, em que as pessoas o tratam como uma reles babá de luxo, sem qualquer estresse para os cofres públicos.
         Além de uma campanha para valorização dos professores, é preciso que seja feita outra para a valorização da escola, pois em virtude de políticas recentes, tanto a nível estadual como federal, criou-se no seio da população a ideia de que a escola não passa de um depósito de crianças. É preciso que as famílias, principalmente as mais pobres, vejam, como antigamente, a escola como a grande alternativa à sua pobreza e exclusão ancestral, valorizando o tempo que o menino passa nela e o trabalho dos professores. Hoje muitas famílias pobres veem na escola apenas o espaço rouba da família a possibilidade de ganhar mais dinheiro com o trabalho das crianças. É preciso fazer algo a esse respeito. As famílias pobres precisam parar de detestar a escola.
         Que o Estado transforme toda gravidez precoce em matéria de direito público, obrigando, principalmente à família dos rapazes a assumir o sustento da criança que a sua impetuosidade mal educada gerou. Atualmente eles ameaçam as parceiras de morte, se estas recorrerem à justiça, principalmente aqueles que têm parte com o crime organizado, e saem para fazer mais bebês em outras. Essas crianças, filhas de lares desajustados, são o maior tormento das comunidades escolares hoje em dia.
         É preciso criar mecanismos mais firmes e abrangentes, inclusive obrigatórios, para que as famílias participem mais da educação dos filhos. Boa parte dos problemas em sala de aula, hoje, decorre do imenso estresse que os jovens trazem do ambiente doméstico, protegido pela privacidade, enquanto os professores são expostos por não conseguirem o milagre de um rendimento adequado na escola, a um menino ou menina barbaramente traumatizados em casa.
         Em relação à História no Ensino Médio eu proporia o seguinte:
         a) Aumentar, em pelo menos uma aula, a quantidade de aulas de história por semana. As duas aulas que temos atualmente é impraticável.
         b) Com três aulas por semana, eu proporia a seguinte divisão: duas aulas a serem gastas com a aquisição de dados e informações sobre História Geral, e uma aula só para análise e discussão sobre problemas levantados pela evolução histórica da sociedade brasileira, do tipo: as capitanias eram feudos? Por que a escravidão africana superou a indígena? Quais as causas da preservação de instituições tão questionáveis, como a escravidão, por tanto tempo? Como a escravidão interferiu na nossa formação? Etc. Em um ambiente de liberdade de expressão, isso suscitaria debates e textos críticos dos alunos, e ajudaria a tornar a escola mais transformadora da realidade. “Só se muda o que se conhece”. Para realizar esse objetivo seria necessário que as faculdades tivessem uma disciplina correlata, onde os alunos só aprendessem sobre os grandes temas controversos da História do Brasil, como as diversas correntes de historiadores se posicionaram diante desses problemas, habilitando-se para lecionarem dessa forma e produzir textos que possam conduzir as discussões no nível dos launos.
De onde viria o tempo para o aumento das aulas de história? Creio que está na hora de nos debruçar sobre um fato tão trágico quanto óbvio: a contínua degradação das notas de português e matemática em exames nacionais e internacionais, apesar da quantidade imensa de aulas e materiais despendidos nessas duas disciplinas, o que nos remete aos seguintes questionamentos:
a) Está havendo uma saturação desses tremas na mente dos estudantes que começam a mostrar rejeição pelo excesso, principalmente aqueles mais imaturos que têm a necessidade compulsiva de contrariar as expectativas dos adultos. Há uma excessiva expectativa e investimentos na área dessas duas disciplinas.
b) É possível que a forma como a linguagem está sendo ensinada esteja errada, passando tanto pelo método alfabético, a meu ver antinatural e contrário à linguística, à proibição inexplicável da caligrafia – a respeito disso recomendo a página http://discoverykidsbrasil.uol.com.br/pais/artigos/a-importancia-de-escrever-a-mao-na-infancia/ - o abandono excessivo da gramática, etc., ou tudo isso junto. É preciso valorizar a língua portuguesa que é expressa pelos professores de outras disciplinas; não é porque não somos especialistas nessa área que nós não temos nada a dizer sobre isso aos alunos, o português que é usado nas outras disciplinas precisa ser também valorizado e computado como tempo de estudo da língua, a não ser que a Secretaria se reconheça como incapaz de fazer uma seleção séria de professores e que está contratando semianalfabetos para dar as aulas no sistema.

BIBLIOGRAFIA COMENTADA

Ajuriaguerra, J. de; Manual de psiquiatria infantil; trad Paulo C Geraldes e Sonia R P Alves; 2ª tiragem; Masson; 1983
Famoso manual, muito detalhado, sobre causas e tratamentos de distúrbios mentais nas crianças, com as quais o professor pode se defrontar no seu dia a dia – eu particularmente já enfrentei um caso sério de anorexia em uma aluna – e que seria interessante ter algum conhecimento a respeito para saber a hora exata tanto de ficar calmo como de soar o sinal de alerta. É quase completo no que diz respeito aos problemas de ajustamento clássicos de crianças e adolescentes, embora, por causa de sua “idade provecta”, não incorpore alguns problemas mais recentes como o bullying e as perturbações originadas do uso excessivo da tecnologia, mas a descrição e as orientações que ele dá sobre os problemas clássicos são tão amplas, profundas e didáticas, que lança luzes preciosas sobre o que está acontecendo hoje.
Cole, Michael e Cole, Sheila; O desenvolvimento da criança e do adolescente; 4ª edição; trad magda F. Lopes; Artmed; Porto Alegre; 2003.
Um manual-calhamaço muito vasto e abrangente, cuja maior vantagem de ser atualizado, mas que também lança algumas questões interessantes sobre o que acontece com crianças e jovens no seu processo de desenvolvimento. Os autores são americanos ‘típicos’, e o texto, prolixo, por vezes, padece da simploriedade com que eles, os americanos ‘típicos’, tratam do assunto, psicologia do desenvolvimento, considerando um tanto superficialmente o cerne de questões graves – tudo é simples e já foi estudado por eles, eles têm que ser os pioneiros em tudo – em especial quando criticam os autores que não partilham do behaviorismo local, principalmente Jean Piaget, que, em vida, os criticava de maneira genérica, ironizando o “mal americano”: a mania deles em estar sempre tentando acelerar o desenvolvimento de suas crianças, para serem as primeiras em tudo, uma tentação muito comum a pais, professores e psicopedagogos também no Brasil. Outra característica, também americana, é a bibliografia gigantesca, ao final, que nos faz pensar como eles encontraram tempo para fazer outras coisas, inclusive entender o que leram e escrever o seu livro!
Damásio, António; O erro de descartes – emoção, razão e o cérebro humano; trad. Dora Vicente e Georgina Segurado; Companhia das Letras; São Paulo; 1996.
Esta obra fundamental esclarece, porque não dizer prova, o caráter integrativo das relações entre mente, cérebro, corpo e emoções, mostrando que as nossas reações, habitualmente apresentadas de uma forma dissociada, estanque, em categorias do tipo emoção, razão, socialização, afetividade, etc. Estudadas separadamente, por especialistas específicos, elas, entretanto, estão tão interligadas que só pode haver uma conclusão: reagimos em conjunto, em bloco, aos estímulos do meio, de tal sorte que à determinada faixa de maturação biológica deve corresponder uma determinada maturidade intelectual, afetiva e social, como Piaget, aliás, já predissera uns sessenta anos antes, de forma indireta, observando apenas comportamentos aparentes, enquanto Damásio fez uso de sofisticados parelhos de ressonância. Eis algumas de suas conclusões: “É provável que as estratégias da razão humana não se tenham desenvolvido, quer em termos evolutivos [da espécie], quer em termos de cada indivíduo particular, sem a força orientadora dos mecanismos de regulação biológica, dos quais a emoção e o sentimento são expressões notáveis [só isso é suficiente, a meu ver, para denunciar todo o ‘vazio’ de um currículo estritamente cognitivo e conteudista] (pg 12)... Os sentimentos, juntamente com as emoções que os originam, não são um luxo. Servem de guias internos e ajudam-nos a comunicar aos outros sinais que também os podem guiar. E os sentimentos não são nem intangíveis nem ilusórios... são precisamente tão cognitivos como qualquer outra percepção” (pg15).
Debray-Ritzen & Melekian, Badrig; Perturbações no comportamento da criança – descrições – causas – tratamento; trad. Berenice Fialho Moreira; Nova Fronteira; s/d; Rio de Janeiro
Este livro, muito didático, faz um apanhado muito geral sobre diversos problemas comportamentais de crianças, dando algumas pistas a respeito do diagnóstico e do processo de tratamento e cura. Muitos termos e muitas intervenções não fazem parte do vocabulário comum dos professores e mesmo de suas possibilidades de ação, mas é bom tê-lo à mão, para se ter uma ideia geral sobre o assunto, e se acudir dele, quando um comportamento inusitado se fizer presente na sala de aula.
Dolle, Jean-Marie; Para compreender Jean Piaget – Uma introdução à Psicologia Genética Piagetiana; 4ª edição; trad. Maria José J. G. de almeida; Guanabara; Rio de Janeiro; 1987.
Este é um manual básico, fácil, bem escrito e traduzido, sobre a teoria de Jean Piaget. O grande problema, para nós professores das últimas séries do Ensino Fundamental e Ensino Médio, é que ele dedica a maior parte do livro, e as exposições mais brilhantes, aos primeiros anos de vida da criança, que para um piagetiano clássico são fundamentais e, decerto, ajudam muito para entender as aquisições seguintes – e nesse sentido podemos dizer que Piaget inverteu Freud, pois enquanto este tenta explicar a criança a partir de conceitos e análises elaboradas do estudo de adultos, aquele explica o adulto a partir do que se aprende sobre a criança; Piaget, por assim dizer, prova que a infância vem antes da idade adulta (sic!) – mas certamente é um dos melhores e mais simples manuais sobre o assunto. O autor também escreveu o livro, já traduzido para o português Para além de Freud e Piaget, um tema que também interessou ao argentino Leandro Lajonquière, em De Piaget a Freud, onde ele, Dolle, critica, com certa razão, um certo reducionismo, visível na forma com Piaget trata a questão da afetividade
Fagundes, Antônio Jayro M.; Descrição, definição e registro de comportamento; 6ª impressão; EDICON; São Paulo 1981
Este manual básico, muito prático e didático sobre o assunto (observação e descrição de comportamentos, tão importantes quanto desprezadas pelos professores brasileiros (tanto quanto a observação à distância de comportamentos, quanto das avaliações cognitivas habituais, como quanto à imparcialidade dessa observação)), chama-nos a atenção para a ausência, e a consequente necessidade, de uma observação mais objetiva do comportamento das crianças, para obtermos subsídios mais confiáveis a dirigir futuras intervenções corretivas, preferível às avaliações cheias de projeções psicológicas e valores, com as quais os professores ‘etiquetam’ determinados alunos – ao invés de dizer que o aluno fez “isso” ou “aquilo”, os professores começam, antes, a denunciar as intenções dos alunos, muitas vezes invisíveis até para estes (processos inconscientes).
Flavell, John H.; A psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget; 2ª edição; trad. Maria Helena S. Patto; Pioneira; São Paulo; 1985.
Este é, na minha opinião, o melhor e um dos mais completos e claros manuais sobre o com junto da obra de Piaget, em língua portuguesa, inclusive pela qualidade da tradução, assim como pelo extenso capítulo, de umas 40 páginas, dedicado às críticas e problemas em geral observados na teoria de Piaget. Não há o que dizer além da recomendação premente da sua leitura, embora ressaltando que é um livro escrito mais para psicólogos que para professores e pedagogos. Piaget escreveu, em 1962, um pequeno prefácio para esse livro onde se lê: “O quadro fornecido pelo professor Flavell abrange apenas os trabalhos realizados até 1960, e não pode ser considerado como a palavra final. Mesmo assim é excelente em relação ao período que abrange, e nosso simpático porta-voz e comentarista... seguramente conquistou a nossa mais profunda gratidão” (pg XIII).
Freitag, Bárbara; Diário de uma alfabetizadora; Papirus; Campinas; 1988
Este livro é maravilhoso! Nele a autora, fazendo doutorado na Suécia, relata como nesse período alfabetizou a sua doméstica, Maria, uma senhora já madura e pobre, moradora da periferia de São Paulo, que ela levara para cuidar de sua filha, de Bárbara, e de sua casa, enquanto ela se dedicava à extenuante tarefa de preparar a sua tese. Parcialmente bem sucedida na tarefa de alfabetizar, Maria não desenvolveu o hábito da leitura nem do falar e escrever fluente, a professora descobriu que sua aluna, após alfabetizada, ainda carregava consigo, nas explicações que dava sobre os fenômenos da natureza, as crenças mágicas do período anterior, que a faziam supor que a lua fosse um ser vivo, afinal ela anda no céu, e outras mais, que não se modificaram nadinha, apesar da aquisição da habilidade leitora e escritora. Esse episódio é uma prova cabal de que a inteligência é, como afirma Piaget, um fenômeno básico, muito mais geral que a simples aquisição de habilidades referentes à expressão de uma língua. Isso inviabiliza completamente a ideia da inteligência como um conteúdo, passível de ser transmitido, aos poucos, pela ação magisterial, como o supõem os behavioristas e defensores da zona de desenvolvimento proximal. Partindo dessa concepção, a de Piaget, Lauro O Lima dirá: “um analfabeto pode ser inteligente [e até muito inteligente]”, o que não era o caso de Maria, assim como verdadeira é a sua contraparte: um mestre acadêmico pode ser um homem bitolado, pouco inteligente, que só pensa em conservar o seu prestígio, adquirido na defesa de teses politicamente corretas ou na bajulação de pessoas próximas ao poder, sem nunca acrescentar nada à sua área de conhecimento. 
Hargreaves, Andy; O ensino na sociedade da informação – educação na era da insegurança; trad. Roberto C. costa; reimpressão 2008; Artmed; Porto Alegre; 2004
Para quem quer conhecer as mazelas do atual currículo, seus efeitos danosos em sociedades que o implementaram a mais tempo, sem falar das mazelas da educação atual como um todo, esse livro é exemplar. É incrível que, embora falando de uma realidade aparentemente distante de nós, os sistemas escolares americano e canadense, suas denúncias se encaixam, quase milimetricamente, no cenário que estamos vivendo em nossas escolas. O autor denuncia que uma nova realidade, educacionalmente tão rica, como a atual, dominada pelas tecnologias da informação, está sendo brutalmente empobrecida por manobras de pequenos grupos, ligados ao grande capital, em se apoderar e dar o sentido dessas mudanças, apenas de acordo com os seus interesses econômicos imediatos, reduzindo as conquistas da sociedade do conhecimento. Nesse movimento espúrio, as primeiras e grandes vítimas, na opinião do autor, são os professores, a quem ele dedica a maior parte de suas observações, porém, é perfeitamente dedutível do texto que a grande perdedora desse processo todo é a sociedade humana. O livro imperdível que fará o professor brasileiro, inclusive o de zona rural, finalmente entender o que acontece na sua escola! Texto: “a melhoria dos padrões de desempenho, na forma de metas com base em disciplinas, ou a ênfase excessiva na alfabetização e na matemática, marginalizam a atenção dada ao desenvolvimento pessoal... e eliminam a atenção interdisciplinar à educação global que está no coração da identidade cosmopolita [e que levou a Finlândia ao topo do da educação mundial]... os professores são tratados e formados não como trabalhadores do conhecimento de habilidades e capacidades elevadas, mas como geradores de desempenho padronizados, complacentes e monitorados de perto... com vidas profissionais supercontroladas...” (pg 22).
Lima, Lauro de Oliveira; ---------------------- ; Dinâmica de grupo no lar na empresa e na escola; 5ª edição; Vozes; Petrópolis; 1976.
É um manual completo, teoricamente muito bem fundamentado, que analisa o conjunto das relações humanas sobre uma ótica estritamente piagetiana. A sua composição é revolucionária: ele pode ser lido praticamente de qualquer página, pois todos os assuntos estão interligados e remetem-se reciprocamente uns aos outros. Os textos, em geral curtos e aparentemente truncados são cheios de provocações geniais que já começam pela introdução, onde ele prega a necessidade de se dar mais atenção a esse aspecto que para ele, e Piaget, é básico; a socialização do indivíduo. “A socialização do homem é a tarefa mais grave da humanidade [que dizer da escola!]. Por que supor, gratuitamente, que o homem “tende” para a socialização quando é e vidente que só coopera forçado pelas circunstâncias ou a partir de um ideal superior livremente aceito?” (pg 15); “A cooperação é, pois, não um ato irracional produzido por “instintos”, mas uma atividade superior do espírito” [que a escola não cultiva] (pg16); “a sociabilidade é um produto da cooperação, como a cooperação é um produto da sociabilidade” [note-se a importância, mas não a suficiência, do ‘estar juntos’, como na escola, de onde a necessidade da dinâmica de grupo intensiva nesse ambiente] (pg 17); “as emoções individuais... ao entrarem em contato, tendem a provocar turbulências... Para aproveitá-las, produtivamente, é preciso submetê-las à “formalização” dos equilíbrios inteligentes [conseguido por meio de propostas de atividades grupais graduadas de acordo com o nível mental dos participantes]. A enorme afetividade do ser humano, em vez de ter contribuído para a socialização – talvez, tenha sido o grande obstáculo á cooperação” [por não ser considerada na sua importância, e não ter sido trabalhada convenientemente na educação] (pg 18); “Como, então, construir “uma psicoterapia dos normais”? Primeiro, levando professores, sacerdotes e psicoterapeutas a substituir a verbalização [os conselhos intermináveis aos renitentes] por ação real, isto é, por atividades cooperativas...” (pg 19) [como acontece nos trabalhos de grupo da escola, desde que corretamente organizados; no seu livro Mutações (ver abaixo), ele chega a afirmar que uma partida de futebol induz mais os jovens à cooperação, do que um longo sermão: ele está errado?].

--------------------- ; Mutações em educação segundo McLuhan; 10ª edição; Vozes; Petrópolis; 1976
Este é um verdadeiro manifesto aos professores desse gênio da educação brasileira e mundial, Lauro de Oliveira Lima, ou LOL, como ele às vezes assinava seus artigos, onde ele, comentando um artigo do comunicólogo e pensador canadense Marshall MCLuhan, que causou furor nos anos 60 e 70, em virtude de suas sacadas geniais, de suas inferências sobre os modernos meios de comunicação sociais, aproveita para passar a limpo os objetivos mais gerais da educação brasileira. Nessa época ainda havia algum. Lauro demole, uma a uma, as principais crenças da escola e dos professores tradicionais, e aponta para um futuro revolucionário, inclusive para os dias de hoje. Nós que lemos e entendemos esse livro, além de acompanhar todo o vibrante debate educacional desse período, ficamos com a impressão de que a educação regrediu no Brasil. Eis algumas de suas “sacadas”: “a ideia de escola, como um espaço confinado é incompatível com os meios de comunicação modernos [o computador pessoal ainda não havia sido inventado]. É mesmo possível... que a escola média, e até elementar, se divida [no futuro] em “institutos especializados”... passando a chamar-se “escola” apenas um “centro de integração” que coordene a reflexão global das experiências polivalentes, recebidas de maneira fragmentária nos centros especializados [ou do mundo em geral]” (pg 8); “Já não se pode dizer que a escola é uma “preparação para a vida”, uma vez que só os profetas podem prever como será a vida das crianças que hoje entram nas escolas. Uma disciplina que hoje prepararia o aluno para a vida... seria a Ficção Científica” (pg14-15); “Quanto menos hábitos intelectuais fixos e mais poder de adaptação à situação nova mais preparado estará o jovem para a vida” (pg 15) ... No final do livro ele cita um questionamento que um de seus filhos lhe fez, depois de assistirem juntos ao filme 2001 uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick: “VELHO, NÃO ESTÃO VENDO QUE VAI FICAR ASSIM... POR QUE NÃO COMEÇAM LOGO!!!!” O que estamos vendo agora? Aonde foi parar tudo isso? Quem matou a esperança desses jovens? E olha que nessa época nós vivíamos numa ditadura horrorosa.
------------------- ; Piaget para principiantes; 4ª edição; Summus; São Paulo; 1980.
O título não nos deve enganar, pois apesar do termo “principiantes”, Lauro despeja nesse livro uma tal quantidade de cultura moderna, erudição e reflexões ousadas que dificilmente essa obra poderia ser classificada com “introdutória”, porém poucas vezes no mundo a teoria de Piaget foi analisada com tanta profundidade e descortino como nesse livro, e, principalmente, ninguém foi tão longe nas projeções possíveis dessa teoria como aqui. É um livro genial de gênio febril e obcecado, ansioso por revelar ao mundo um tesouro que descobriu, e que, até hoje, pouco querem compreender e se aproveitar dele. O seu capítulo sobre linguagem: “Você falaz porque pensa (não pensa porque fala) – a aprendizagem da linguagem e a linguagem como instrumento de aprendizagem”, é simplesmente antológico; eis o seu trecho final: “Como não sep ode viver só de lógica e eficiência [aprendidas com as ciências naturais e a história], nem de poesia e autismo [as divagações literárias, grandiosas ou não], o processo adaptativo deve dar [ensinar] a estas duas formas de viver, de forma que a eficiência da ação esteja plena de amorização (é preciso logicizar o amor e amorizar a lógica) (pg. 269). Uma leitura indispensável para professores e psicólogos. Lauro de Oliveira Lima é sem dúvida o grande tradutor e adaptador de Piaget, talvez até a nível mundial, para a educação, mas infelizmente, mais para nós do que para ele, não nasceu com uma qualidade indispensável para se fazer carreira nesse país: ele não é estrangeiro, e por isso se preferiu seguir os conselhos da grande prestidigitadora de Piaget: Emilia Ferrero, e as suas “teorias” sobre alfabetização.
Micotti, Maria Cecilia de O.; Piaget e o processo de alfabetização; 2ª edição; Pioneira; São Paulo; 1987.
Esta autora traduz como poucos, para área da alfabetização, os conceitos do grande pesquisador suíço, que ajudam a tornar mais compreensível o que acontece na mente da criança, no plano cognitivo, durante esse processo. Quando, no corpo do livro, ela comenta alguns conceitos de Piaget, o faz de uma forma tão segura e tão bem argumentada que tudo fica mais claro! É um livro para a cabeceira do alfabetizador.
Millot, Catherine; Freud antipedagogo; trad. Ari Roitman; Jorge Zahar; Rio de Janeiro; 1987.
Li muito pouco desse livro, e o que li não me agradou, pela sua linguagem tipicamente freudiana, para mim confusa ou prolixa, mormente descolada da realidade, mas tem partes que valeram a sua leitura como estas: “ [a recomendação dos analistas é de] maior veracidade ante a criança, dado que a neurose toma partido pela mentira, essa mentira que contamos a nós mesmos... tributária da mentiras parentais... limitar a ação pedagógica supõe a redução desse campo [o do imaginário, em prol da realidade], no que lhe incumbe pelo educador... a mentira consciente ou inconsciente toma partido pelo narcisismo [hipertrofia do indivíduo em detrimento da comunidade]... não há aplicação possível da psicanálise na pedagogia; não há pedagogia analítica no sentido de que o pedagogo... adotaria uma atitude “analítica” [neutra, no sentido afetivo e da moral dos valores]... tudo o que o pedagogo pode aprender da e pela análise é a saber por limites à sua ação...” (pg154). Eu, Lauro O Lima , e outros, defendemos a necessidade do candidato a professor passar por uma entrevista de caráter analítico, obrigatória, antes de ser admitido à profissão e, principalmente, à sala de aula. Um professor neurótico é uma catástrofe para as crianças, e os exames de concurso atuais não detectam isso.
Munari, Alberto; Jean Piaget; trad Daniele Saheb, Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana; Recife; 2010.
Este livro, muito didático e de linguagem simples, tenta nos apresentar uma breve biografia de Piaget, escorada em vários textos do biografado, dando uma ênfase especial ao aspecto educacional da obra dele. Por ele ficamos sabendo de todo o capricho e cuidado que Piaget dedicava aos relatórios anuais sobre a questão educacional, à frente do Birô Internacional de Educação, da ONU, e que uma massa extraordinária de escritos sobre esse tema continua ignorada e oculta do grande público, pois Piaget presidiu essa instituição por quarenta anos! Será que o essencial das orientações de Piaget para a educação já foi-nos revelado, nesse pouquíssimo que já foi publicado? Ali encontramos colocações preciosas como: “uma verdade aprendida não é mais que uma meia verdade, enquanto a verdade inteira deve ser reconquistada, reconstruída ou redescoberta pelo próprio aluno” (pg 17); “Ora, na maior parte dos países, a escola forma linguistas, gramáticos, historiadores [hoje nem tanto], matemáticos, mas não educa o espírito experimental. E necessário insistir na dificuldade muito maior [e muito mais necessária em um mundo dominado pelas tecnologias ligadas às ciências da natureza] de se formar o espírito experimental do que o espírito matemático nas escolas primárias e secundárias [e esse foi, infelizmente, justo o caminho em que nós nos metemos]... É muito mais fácil raciocinar do que experimentar [o raciocínio é ‘irmão gêmeo’ da racionalização, um mecanismo de defesa, no sentido freudiano do termo, que nos dá certeza matemática para os nossos medos, crenças e preconceitos]... O ensino das ciências é a educação ativa da objetividade e dos hábitos de verificação” (pg. 19). 
Piaget, JeanInhelder, Barbel; A psicologia da criança; trad. Octavio Mendes Cajado; 9ª edição; Difel; São Paulo; 1986
Piaget faz uma síntese das possibilidades de aplicação de sua epistemologia genética à psicologia, estádio por estádio, desde o nascimento até a formação da última estrutura mental. É um resumo de tudo o que ele observou no comportamento das crianças ao longo de sua carreira. Uma grande síntese, indispensável a quem quer tomar conhecimento de sua teoria, e saber o básico de como analisar piagetianamente a evolução do comportamento das crianças, suas possibilidades de aprendizagem, mas com alguns problemas: a citação de autores acadêmicos europeus, desconhecidos por aqui – estamos mais familiarizados à produção acadêmica americana – e a forma desenvolta como apresenta os seus mais velhos recentes conceitos, sem muita explicação; às vezes, também, tentando ser sucinto, ele omite alguma coisa tornando difícil a compreensão do que ele quer dizer. Nada que a paciência ou a consulta não possa resolver. É outro livro fundamental, imperdível.
------------------- et alli; O julgamento moral na criança; trad. Elzon Lenardon; Mestre Jou; São Paulo; 1977.
Um livro genial, fácil de ler, embora prolixo e minucioso, quase enfadonho, mas que coloca o dedo na ferida daquela que é, a meu ver, a principal função da escola: aprimorar as relações sociais possíveis das novas gerações, ainda mais por uma razão de ordem moral superior: o autor defende não só a superioridade, com até a necessidade, de uma moral nascida do consentimento e não na imposição da autoridade, como necessária ao completo desenvolvimento do indivíduo. Piaget inverte Freud: é a criança, no seu processo de desenvolvimento, que explica o adulto, e não o adulto à criança. Ao falar de relações baseadas no consentimento e não na autoridade,  Piaget é clero: há uma evolução necessária, que passa pelo crivo sim da autoridade do professor nas séries mais jovens, e nos caso de crianças ou jovens muito imaturos; de forma nenhuma a moral do consentimento justifica a que se entregue precipitadamente a escola e a sala de aula ao poder dos alunos, indiferente ao nível mental que já atingiram; a esse respeito Lauro O Lima tem palavras admiráveis; “Há muito a discutir-se ... na pedagogia de Neil [criador da escola de Summerhill, na Inglaterra, onde os alunos podiam fazer o que queriam; no Brasil se optou por um sistema misto: ora pode ora não pode, de acordo com o humor da diretora, do burocrata e do juiz de plantão]... que prega antes o individualismo que a cooperação (apesar das assembleias deliberativas [dos alunos] que não configuram o fenômeno de grupo, mas produzem comportamentos mais ou menos anônimos de adultos não organizados para a cooperação). Sobretudo, a absolutização do conceito de liberdade (autonomia), antes que a criança disponha dos instrumentos de deliberação (lógica, sistema de valores, objetividade) deixa muito a desejar nesta “pedagogia”, que pode levar a estados de ansiedade e desorganização mental perigosos. A liberdade (autonomia) é uma conquista que envolve o desenvolvimento global (lógico, afetivo, informacional)” (Escola secundária moderna; pg 291). Esse livro é, a meu ver, indispensável não só para formação de indivíduos, como no sistema escolar, mas para ser usado como um manual de formação de sociedades, indispensável a quem lida com liderança e julgamentos.
-------------------; Para onde vai a educação; trad. Ivette Braga; Livraria José Olympio; Rio de Janeiro; 1973.
Neste livro Piaget comenta o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, onde se fala dos direitos à educação. Desse pequeno texto ele tece uma série de comentários e recomendações simplesmente geniais, que devem ser lidos por todos, principalmente por aqueles que sempre trataram o autor com um burguês acomodado, fechado em um laboratório, despreocupado com o que acontecia com o resto do mundo, a serviço do capitalismo selvagem, como é relativamente comum nos nossos meios acadêmicos mais... ‘bem informados’. Eis um trecho: “Em primeiro lugar existe o problema social da valorização ou revalorização do corpo docente primário ou secundário [destaque do autor, mostrando o quanto esse tema é caro a Piaget, e isso, até hoje, é uma ideia revolucionária no Brasil], a cujos serviços não é atribuído o devido valor pela opinião pública [fugindo à tentação demagógica, Piaget, aqui, coloca o dedo na ferida e denuncia que a desvalorização do professor não é um mera estratégia de um grupo no poder, a revelia da sociedade, mas antes expressão do valor médio que uma sociedade, no seu conjunto, dá a educação e que permite a ascensão de demagogos de direita e de esquerda], donde o desinteresse e a penúria que se apoderam dessas profissões e que constituem um dos maiores perigos para o progresso e para a sobrevivência de nossas civilizações [aqui ele se torna um profeta, e olhando para o Brasil hoje, exclamamos: e que profeta!]. A seguir existe a formação intelectual e moral [meu destaque] do corpo docente, problema muito difícil, pois tanto melhores são os métodos preconizados para o ensino, mais penoso se torna o ofício de professor...” [ou seja, exige uma mudança na formação e nas condições de trabalho do professor, situação que a Finlândia, por exemplo, enfrentou e resolveu muito bem!](pg 28-29).
--------------------- ; Psicologia e pedagogia; 6ª impressão; trad. Dirceu Accioly Lindoso; Forense Universitária; Rio de Janeiro; 1982.
Aqui, Piaget trata de uma maneira geral e muito fácil de ser lida – o que não é comum nos livros dele – problemas gerais da psicologia e da pedagogia, dando ênfase, para nós, professores, maravilhosa, aos problemas que os mestres, em outras partes do mundo, e já há tanto tempo, enfrentavam, e que são praticamente os mesmos que nós enfrentamos hoje no Brasil, principalmente a questão dos baixos salários e o desprestígio da profissão. Fora isso os seus comentários são muito gerais, e aqui e ali se pode pescar alguma coisa muito sólida para melhorar a nossa prática de ensino e nossas proposições de mudanças para o sistema. É um dos poucos livros, em língua portuguesa, disponível sobre o pensamento de Piaget na educação. Piaget, não foi pedagogo, mas o que ele descobriu sobre o funcionamento e o desenvovlimento da inteligência da criança é vital para a prática pedagógica.
-------------------- ; Seis estudos de psicologia; 8ª edição; col. Universidade Moderna 39; trad Nina C Pereira; Dom Quixote; Lisboa; 1978

Neste livro Piaget faz um apanhado dos principais conceitos da sua epistemologia genética, considerando-os pela sua implicação no estudo teórico, conceitual, da psicologia. É um dos textos mais fáceis de Piaget, mas nem por isso de leitura fácil, pois ele sempre procura ser muito detalhista e explorar todas as consequências possíveis de um conceito empregado no meio do texto, minúcia típica de alguém que viveu no meio acadêmico, e está sempre ‘disputando’ com outros acadêmicos, e acadêmicos europeus, familiarizados com uma vasta erudição, por vezes valorizando-a mais do que o razoável para um melhor entendimento por parte de seus escritos. Nesse sentido os americanos vendem melhor o ‘seu peixe’. O que é precisão conceitual para muitos acadêmicos é confusão para um leigo. Outro problema é o da qualidade de algumas traduções brasileiras, mas esse texto português está bem claro. É um livro básico, imperdível.

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