1536 – A
PSICOLOGIA DO CARRASCO
Prof
Eduardo Simões
A vida tem umas reviravoltas que nos
fazem pensar. Que prazer não dá aos olhos de rapazes e homens inteligentes a
graça louçã de uma mulher jovem que sabe o que quer e como obtê-lo, ainda mais
se a isso se adicionam a inteligência e o espírito. Corça graciosa, quem lhe
escapará? Quem tiver juízo e tempo bastante para avaliar se vale a pena.
Assim era Ana Bolena, a mulher mais
poderosa da Inglaterra, graciosa o suficiente para arrastar um rei para fora,
ao mesmo tempo, de si, de um matrimônio e de uma Igreja. Gostar de alguém
inteligente não garante por si só a aquisição da inteligência. Mas, como dizia
um de nossos quase poetas: “felicidade não existe, o que existe na vida são
momentos felizes”, Ana tratou de aproveitá-los, enquanto ainda era jovem e
graciosa, talvez crendo que essa felicidade perduraria, mesmo tendo começado
com a excrescência de um casamento secreto, depois tornado público em 1533, sob
as ruínas de um sacramento e da honra de uma dama espanhola, a ex-rainha
oficial.
A situação ficou ainda melhor com a
morte prematura da repudiada, Catarina de Aragão, em janeiro de 1536, com um
terrível câncer no coração, logo aonde! Aliás, dizem que o câncer é a doença da
tristeza e do sentimento de culpa; se isso é verdade eu não sei, mas que bruta
coincidência! Mas foi aí que aquelas “bruxas”, que não existem, e aquelas “coisas
entre o céu e a terra” começaram a aparecer, e tudo começou a dar errado, uma
vez que uma das principais justificativas do monarca era a incapacidade da
rainha lhe dar um filho varão. Bolena não conseguia pegar menino, mas, em meio
a abortos sucessivos, ainda conseguiu gerar um dos maiores monarcas da
Inglaterra: Elizabeth, ou Isabel, como que a mostrar à posteridade o quanto
tudo aquilo fora vão.
Então a situação mudou radicalmente,
e o que era um “amor” capaz de vencer os mais sagrados impedimentos religiosos
e barreiras sociais, acabou se tornando um caso de interesse “nacional’, onde Ana
Bolena era o detalhe que estava sobrando, ou pior, atrapalhando. Henrique VIII
percebeu a necessidade de busca mais aproximação com a Espanha, terra de sua
falecida esposa, e os espanhóis, aparentemente, impuseram uma condição
esperada: nada com Ana Bolena. De musa e diretora de uma das mais audaciosas e
profundas mudanças já ocorridas na Inglaterra, ela agora se tornava um estorvo
ao futuro do país e de seu amado, e amante compulsivo, que na surdina já lhe
aplicava do remédio que ela um dia o ajudara a aplicar à falecida.
Não foi difícil, a partir daí, forjar um
estranho inquérito e julgamento, entremeados por muita tortura, o combustível
das investigações da época, e de alguns países atuais, onde ela foi associada a
cinco outros nobres, que não eram benquistos na corte. Dessa união de
contrários saiu uma conclusão arrasadora: Bolena traíra o rei, deitara-se com o
irmão e ainda traiu a pátria – para se livrar dela o rei trombeteava com o seu berrante
real. Só não a acusaram pelo incêndio de Roma porque Roma não era bem vista
naquele momento na Inglaterra. E a sentença só podia ser uma: morte.
Mas Henrique VIII, mostrando que
ainda tinha algum “sentimento” ou talvez lembrando-se de tantos bons momentos passados
juntos, ou quem sabe com peso na consciência, não quis que a cabeça da sua ex-preferida fosse cortada com o brutal machado que já secionara o pescoço que sustentava um dos
cérebros mais privilegiados de seu tempo, sem falar de uma moral inatacável,
o de Thomas Morus, executado em julho de 1535, por não concordar com a união do
rei com a novata, mandou vir um hábil espadachim da França, ao custo de uma boa gratificação.
O serviço tinha que ser “limpo”.
Conta-se que, no dia 19 de maio de
1536, Ana Bolena chegou um tanto nervosa ao lugar de execução, olhos vendados,
mexendo muito a cabeça, e assim, nervosa, foi posta de joelhos. O carrasco,
profissional, percebeu que aquela inquietação poderia atrapalhar o seu golpe e
por isso disse em voz alta “Onde está a minha espada? Ô rapaz vá pegar a minha
espada”. Imaginando que teria ainda algum tempo, a condenada relaxou, imaginando
que ainda teria uns momentos de vida, e foi justo nesse instante que um raio
prateado livrou-a de uma vez dessa ilusão.
(visite o blogue; construindopiaget.blogspot.com.br)
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