terça-feira, 28 de outubro de 2014

1536 – A PSICOLOGIA DO CARRASCO

Prof Eduardo Simões

            A vida tem umas reviravoltas que nos fazem pensar. Que prazer não dá aos olhos de rapazes e homens inteligentes a graça louçã de uma mulher jovem que sabe o que quer e como obtê-lo, ainda mais se a isso se adicionam a inteligência e o espírito. Corça graciosa, quem lhe escapará? Quem tiver juízo e tempo bastante para avaliar se vale a pena.
            Assim era Ana Bolena, a mulher mais poderosa da Inglaterra, graciosa o suficiente para arrastar um rei para fora, ao mesmo tempo, de si, de um matrimônio e de uma Igreja. Gostar de alguém inteligente não garante por si só a aquisição da inteligência. Mas, como dizia um de nossos quase poetas: “felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes”, Ana tratou de aproveitá-los, enquanto ainda era jovem e graciosa, talvez crendo que essa felicidade perduraria, mesmo tendo começado com a excrescência de um casamento secreto, depois tornado público em 1533, sob as ruínas de um sacramento e da honra de uma dama espanhola, a ex-rainha oficial.
            A situação ficou ainda melhor com a morte prematura da repudiada, Catarina de Aragão, em janeiro de 1536, com um terrível câncer no coração, logo aonde! Aliás, dizem que o câncer é a doença da tristeza e do sentimento de culpa; se isso é verdade eu não sei, mas que bruta coincidência! Mas foi aí que aquelas “bruxas”, que não existem, e aquelas “coisas entre o céu e a terra” começaram a aparecer, e tudo começou a dar errado, uma vez que uma das principais justificativas do monarca era a incapacidade da rainha lhe dar um filho varão. Bolena não conseguia pegar menino, mas, em meio a abortos sucessivos, ainda conseguiu gerar um dos maiores monarcas da Inglaterra: Elizabeth, ou Isabel, como que a mostrar à posteridade o quanto tudo aquilo fora vão.
            Então a situação mudou radicalmente, e o que era um “amor” capaz de vencer os mais sagrados impedimentos religiosos e barreiras sociais, acabou se tornando um caso de interesse “nacional’, onde Ana Bolena era o detalhe que estava sobrando, ou pior, atrapalhando. Henrique VIII percebeu a necessidade de busca mais aproximação com a Espanha, terra de sua falecida esposa, e os espanhóis, aparentemente, impuseram uma condição esperada: nada com Ana Bolena. De musa e diretora de uma das mais audaciosas e profundas mudanças já ocorridas na Inglaterra, ela agora se tornava um estorvo ao futuro do país e de seu amado, e amante compulsivo, que na surdina já lhe aplicava do remédio que ela um dia o ajudara a aplicar à falecida.
             Não foi difícil, a partir daí, forjar um estranho inquérito e julgamento, entremeados por muita tortura, o combustível das investigações da época, e de alguns países atuais, onde ela foi associada a cinco outros nobres, que não eram benquistos na corte. Dessa união de contrários saiu uma conclusão arrasadora: Bolena traíra o rei, deitara-se com o irmão e ainda traiu a pátria – para se livrar dela o rei trombeteava com o seu berrante real. Só não a acusaram pelo incêndio de Roma porque Roma não era bem vista naquele momento na Inglaterra. E a sentença só podia ser uma: morte.
            Mas Henrique VIII, mostrando que ainda tinha algum “sentimento” ou talvez lembrando-se de tantos bons momentos passados juntos, ou quem sabe com peso na consciência, não quis que a cabeça da sua ex-preferida fosse cortada com o brutal machado que já secionara o pescoço que sustentava um dos cérebros mais privilegiados de seu tempo, sem falar de uma moral inatacável, o de Thomas Morus, executado em julho de 1535, por não concordar com a união do rei com a novata, mandou vir um hábil espadachim da França, ao custo de uma boa gratificação. O serviço tinha que ser “limpo”.

            Conta-se que, no dia 19 de maio de 1536, Ana Bolena chegou um tanto nervosa ao lugar de execução, olhos vendados, mexendo muito a cabeça, e assim, nervosa, foi posta de joelhos. O carrasco, profissional, percebeu que aquela inquietação poderia atrapalhar o seu golpe e por isso disse em voz alta “Onde está a minha espada? Ô rapaz vá pegar a minha espada”. Imaginando que teria ainda algum tempo, a condenada relaxou, imaginando que ainda teria uns momentos de vida, e foi justo nesse instante que um raio prateado livrou-a de uma vez dessa ilusão.

(visite o blogue; construindopiaget.blogspot.com.br)

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