terça-feira, 14 de outubro de 2014

ESTRANHA AVENTURA

Prof Eduardo Simões

         “Comprazo-me na lei de Deus segundo o homem interior, mas percebo outra lei em meus membros, que peleja contra a lei da minha razão” (Bíblia de Jerusalém). Quem diria que essas palavras, aparentemente sem sentido, escritas a quase dois mil anos por São Paulo, descrevessem de forma perfeita a natureza humana!
         Certa vez, ao entardecer, fui a uma cabeleireira próxima à Capela da Sagrada Família, no bairro do Pedregulho. O ambiente estava lotado, também não precisava muito para lotar o cubículo, onde uma diligente senhora praticava o seu mister de levar adiante a herança de Adão: “viverás do suor do teu rosto”. Para mal dos meus pecados, uma senhora um tanto espalhafatosa, esperando alguém à porta da cabeleireira, começou a dirigir-me elogios rasgados.
         “Era só o que faltava, pensei, ser incomodado por uma ‘velha louca’”. Minha primeira reação foi sair dali, afastar-me, sendo, entretanto, tolhido ainda na intenção pelos insistentes pedidos da senhora para que eu sentasse ao seu lado, em um banco. Além dos elogios, que então eu achava inoportunos, tive que aguentar o ‘bafo da onça’ que ela mamou, mas, a minha criação e a minha fé cristã me diziam que não havia, ainda, nenhuma razão para uma atitude mais firme, hostil, grosseira ou excessivamente pundonorosa da minha parte.
         E não deu outra; a velha começou com um papo ‘brabo’, cheio de malícia e sei lá de quantas intenções, ao qual eu respondia amigavelmente, como se ela estivesse sendo movida pelas mais puras intenções, ficando estranhamente calmo, mesmo quando ela pousou uma mão sobre minha perna, eu estava de bermudas. Não devolvi a gentileza.
         De repente algo misterioso aconteceu, e a mulher, perdendo aquela alegria superficial dos tolos, começou a dar sinais de estar claramente incomodada, e, virando-se para alguém, disse sem mais: “fulano, vamos embora daqui!” O fulano pediu-lhe que esperasse, pois alguém, que eles esperavam, ainda estava com a cabeleireira, mas ela continuou, balançando muito a cabeça, fazendo expressões faciais de quem é tomado por um forte mal estar, a dizer: “vamos embora”. Pouco tempo depois foi, e... nem se despediu.

         E aí, curiosamente, tem início um outro drama em mim, afinal a mulher não cessara, no início, de jogar meu ego pra cima, dirigindo-me elogios, e eu quase que lhe disse: “espere aí, o papo tá bom, mais um pouco e eu acredito!” Mas fiquei calado e um tanto incomodado pelo que acabara de perder, ainda sem condições de aquilatar o ganho. Cortei meu cabelo e voltei para casa, deixando às costas a silhueta clara, modesta, e ao mesmo tempo imponente e serena da Capela da Sagrada Família, a destacar-se contra o negrume da noite, como a dizer diante daquele drama humano: “tu te inquietas e te agitas por muitas coisas, quando uma só é necessária".

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