POÇA
VERSUS O OCEANO
Prof
Eduardo Simões
Assisti pela TV, na Comissão de
Educação, Cultura e Esporte, do Senado, o Senador Cyro Miranda (PSDB-GO), fazer
apelos urgentes para acelerar o processo de informatização nas escolas, a
pretexto de que “já está acontecendo”, “é irreversível”, “o Brasil está
atrasado nessa área”, etc. Sempre que eu ouço essas afirmações, tão categóricas
quanto gratuitas, em me lembro da vocação agrícola do Brasil, pregada pelos
antigos fazendeiros paulistas, e o inevitável Reich de mil anos, tão inevitável
quanto o racismo que lhe deu suporte, “cientificamente” comprovado pela
doutrina anglo-americana da eugenia. Aliás, esse tipo de clamor só pode sair da
boca de quem não conhece a realidade das escolas brasileiras, onde os alunos
passam quase todo o tempo livre tentando “furar” o celular com a ponta dos
dedos.
Não há o que fazer, dizem eles, senão se
render. É fato consumado. Mas quem ganha com essa rendição tão rápida e fácil?
As empresas brasileiras de informática, que assim garantem a tradicional
reserva de mercado, pelo fornecimento em massa de equipamentos e softwares ao
ensino formal, sem falar do caixa para eleição ou reeleição, de cavaleiros tão
devotados. E como fica a questão educacional em si?
Alertas em sentido contrário, porém,
estão chegando. O jornal folha de São Paulo, em sua edição de 16/09, no caderno
“Cotidiano”, traz o resultado de uma pesquisa feita por noruegueses e
franceses, em grupos de universitários na Europa, onde se analisou o efeito da
leitura de uma mesma obra feita em suporte de papel e em suporte tecnológico,
os e-readers ou leitores de livros digitais, e os resultados foram estarrecedores:
Em seis itens apresentados, percepção de tempo e eventos, ambientação de
espaços fechados, a ordem correta dos fatos, etc., os alunos que leram o texto
em papel se saíram melhor que os de suporte tecnológico.
Creio que isso aponta justo na direção
oposta daquilo que é apresentado como a grande vantagem da leitura digital, que
é a presença de links no meio do texto – os autores brasileiros de livros
didáticos tentam reproduzir esses links com chamadas no meio do texto,
remetendo a notas de rodapé, e que pela minha observação, geram dispersão na
leitura e confusão mental. Esses links, ao invés de enriquecerem e aprofundarem
a leitura dispersam a concentração na ideia principal e criam uma necessidade
de link permanente que, mesmo nos textos onde estão ausentes, a simples
expectativa de, naquele suporte, os links poderem aparecer desviam a percepção
do sentido do texto.
Noutras
palavras, os jovens não ganham nada por uma leitura não linear, antes perdem, e
nesse caso a percepção linear de uma história pode ser um dado natural, faz
parte da forma como o cérebro constrói o sentido, embora se possa questionar a
abrangência dessa linearidade, de sorte que quando posto em um ambiente
literário aleatório acontece o que vemos em sala de aula: o jovem é capaz de ler
um texto em voz alta, mas não consegue expô-lo com suas palavras, porque não
entendeu o sentido do que leu. Enquanto o conhecimento humano acumulado e
disponível se torna um oceano cada vez mais profundo, nossos alunos correm de se
afogar em poças de calçadas, para satisfazer interesses obscuros.
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