sábado, 11 de outubro de 2014

A LEI DO CÃO

Prof Eduardo Simões

         Ano de 1968, duas torcidas, só de rapazes de classe média do Colégio Cearense, em Fortaleza, do Ensino Médio, se xingam mutuamente por causa de um jogo de futebol de salão. É mais de meio-dia, os professores já foram embora. De repente, as torcidas descem das arquibancadas e avançam uma contra a outra, interrompendo o jogo. Uma grande luta vai acontecer, quando então alguém grita: “o irmão Valentim vem aí!” Imediatamente os dois grupos voltam aos seus lugares, a tempo de ver a silhueta esguia do famoso professor, avisado por alguém, apontar ao longe.
         Setembro de 2014, uma adolescente de 13 anos é barbaramente espancada, por ser “bonita”, numa escola de Sorocaba, vindo a perder dois dentes, após ter seu rosto golpeado com violência contra um cimentado, por outra adolescente. Durante esse absurdo, outros alunos fizeram um círculo, para impedir que outros tentassem parar a covarde agressão. É comum, na sala dos professores, ouvir colegas dizendo que, se virem briga de alunos saem de perto, seja por medo de apanhar também seja por receio de represálias por parte das famílias dos envolvidos. “Eu chamo a direção!”
         A que ponto chegamos! Na década de 60, quem apenas ofendesse a um professor seria imediatamente submetido a rigorosa punição, e, dependendo da gravidade da ofensa, podia acabar, junto com os pais, no Juizado de Menores, que todos temiam. Nem sempre, é verdade, havia justiça, não era perfeito, mas alunos e professores estavam seguros, e o índice de violência nas escolas era irrelevante.
         A desconstrução dessa comunidade pacífica começou com o esvaziamento da figura do professor, iniciado no regime militar e aprofundado na suposta Nova República, para dar alguma justificativa ao discurso pueril da esquerda, de que toda autoridade é autoritarismo, absorvido por burocratas oportunistas e intelectuais novidadeiros, formados em universidades estrangeiras, longe da realidade da qual se tornavam “especialistas”.

         Não faltou sequer a criação de neologismos pomposos, como “protagonismo juvenil”, tudo para dizer que a entrega da escola aos alunos nos faria evoluir para o melhor dos mundos. O Cândido brasileiro, em seu devaneio revolucionista, achou que poderia decretar a maturidade psicoafetiva dos indivíduos da mesma forma como se antecipa a maioridade política, no apertar de um botão no Congresso Nacional. Mas a realidade sempre se impõe, e hoje vemos que o esvaziamento da autoridade do professor representa o esvaziamento do seu poder de mediação e equilíbrio nos conflitos, sem o qual a escola se torna o lugar mais perigoso que existe para crianças e jovens, em nossa sociedade.

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