BRINCANDO
COM FOGO (II)
Prof
Eduardo Simões
Quanto mais assumimos a pretensa
conduta de combate aos mitos, principalmente na história, mais os criamos, como
se internamente ou inconscientemente soubéssemos que não dá para viver sem
mitos, e por isso criamos outros para combater os antigos, esperançosos de com
aqueles acabar com todos eles. É assim que surge a figura de Zumbi de Palmares,
o campeão da luta pela liberdade contra a escravidão, mas que tinha escravos a
seu serviço, da mesma forma que Tiradentes, o herói branco da independência,
construído às pressas para uma República improvisada, ocultando a sua condição
de bode expiatório, a nos fazer crer que nosso povo é racista e anda em busca
de branqueamento.
A tese de branqueamento parece-me
semelhante ao título daquela peça de Nelson Rodrigues: Bonitinha, mas... porque parte principalmente da opinião de brancos
ricos e barões do café, que, por sinal, também impuseram enorme resistência ao
casamento de suas filhas com os “galegos” e “carcamanos”, brancos, mas pobres,
e portanto merecedores de termo tão depreciativo. Quantos ricos e barões do
café havia no Brasil? Poucos. Quantos estariam dispostos a conviver
amigavelmente com imigrantes europeus pobres, só porque eram brancos? Menos
ainda. Esses homens são numerosos o bastante para ser considerados
representantes da sociedade brasileira?
Resta intelectuais como Oliveira Viana,
Roquette Pinto, Nina Rodrigues, etc. escrevendo sobre eugenia em um país com
80% de analfabetos em edições de mil a dois mil exemplares. Quantos dos
escassos leitores desses intelectuais concordavam com tudo o que eles diziam a
respeito da raça brasileira? Muito mais impactantes do que eles foi Gilberto
Freyre, por exemplo, dizendo justo o contrário.
As
teses de branqueamento não passam de solilóquios de uma elite tão isolada como
não representativa do povo brasileiro, que, mouco para essas arengas
estrangeiras, se misturava, e ainda se mistura, na salada ou no laboratório
racial em que se tornou esse país, fazendo com que, no limite dessa questão, se
chegue a abençoar a escravidão que trouxe gente tão bonita, quanto inteligente
e forte de terras tão longínquas, que de outra forma não teria vindo. Essa é
uma de nossas grandes tragédias...
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