sábado, 11 de outubro de 2014

BRINCANDO COM FOGO (II)

Prof Eduardo Simões

         Quanto mais assumimos a pretensa conduta de combate aos mitos, principalmente na história, mais os criamos, como se internamente ou inconscientemente soubéssemos que não dá para viver sem mitos, e por isso criamos outros para combater os antigos, esperançosos de com aqueles acabar com todos eles. É assim que surge a figura de Zumbi de Palmares, o campeão da luta pela liberdade contra a escravidão, mas que tinha escravos a seu serviço, da mesma forma que Tiradentes, o herói branco da independência, construído às pressas para uma República improvisada, ocultando a sua condição de bode expiatório, a nos fazer crer que nosso povo é racista e anda em busca de branqueamento.
         A tese de branqueamento parece-me semelhante ao título daquela peça de Nelson Rodrigues: Bonitinha, mas... porque parte principalmente da opinião de brancos ricos e barões do café, que, por sinal, também impuseram enorme resistência ao casamento de suas filhas com os “galegos” e “carcamanos”, brancos, mas pobres, e portanto merecedores de termo tão depreciativo. Quantos ricos e barões do café havia no Brasil? Poucos. Quantos estariam dispostos a conviver amigavelmente com imigrantes europeus pobres, só porque eram brancos? Menos ainda. Esses homens são numerosos o bastante para ser considerados representantes da sociedade brasileira?
         Resta intelectuais como Oliveira Viana, Roquette Pinto, Nina Rodrigues, etc. escrevendo sobre eugenia em um país com 80% de analfabetos em edições de mil a dois mil exemplares. Quantos dos escassos leitores desses intelectuais concordavam com tudo o que eles diziam a respeito da raça brasileira? Muito mais impactantes do que eles foi Gilberto Freyre, por exemplo, dizendo justo o contrário.

As teses de branqueamento não passam de solilóquios de uma elite tão isolada como não representativa do povo brasileiro, que, mouco para essas arengas estrangeiras, se misturava, e ainda se mistura, na salada ou no laboratório racial em que se tornou esse país, fazendo com que, no limite dessa questão, se chegue a abençoar a escravidão que trouxe gente tão bonita, quanto inteligente e forte de terras tão longínquas, que de outra forma não teria vindo. Essa é uma de nossas grandes tragédias...

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