COLANDO COM SALIVA
Prof Eduardo
Simões
Mais uma
vez a direção da minha escola mostra que não é do ramo. Tudo começou com a vice
passando um pito nos alunos por causa da sua postura displicente, principalmente
de alunos do Ensino Médio, durante a oração de abertura do expediente. Confesso
que nunca vi muita conveniência nisso, uma vez que nem todos os alunos são cristãos
praticantes, quando não têm alguma birra, por causa dos pais que os obrigam a
ir à missa ou ao culto, quando não porque a rebeldia é a marca dessa idade. Para
mim, melhor seria se fosse feito uma espécie de oração-compromisso,
religiosamente neutra, com a república, a democracia, ao esforço intelectual e a
nobreza moral; enfim um momento de congraçamento e união, com o fim, inclusive
da discriminação sexual constante das filas separadas de meninos e meninas.
O mais
grave, porém, é a forma errática de como esses pitos aparecem na escola. Em alguns
momentos, parece-nos que os alunos estão mais agitados ainda, e nada acontece!
Será que os alunos não percebem isso? Eu acho que sim, e ficam perdidos. É
preciso que fique claro para eles quando a displicência, nesse momento, passa
dos limites, e uma vez ultrapassados o pito, ou outra punição, deve vir irrevogavelmente,
e não quando as gestoras simplesmente decidem que, naquele dia, não vão aturar.
Os alunos, percebendo isso, nunca deixarão de testar.
A isso
seguiu uma cena tragicômica: a equipe de gestão, a diretora estava ausente, preocupada
com os alunos que, sempre quando acaba a oração, se dirigem ao banheiro e aos
bebedouros, para atrasar propositalmente a sua entrada na aula, resolveu, nesse
dia, agir. Eles se dirigiram ao banheiro, a coordenadora correu à frente para
impedi-los, aí eles se desviaram para um bebedouro, a coordenadora saiu atrás,
falando alto e pedindo que eles fossem para a sala, como os outros, aí eles
saíram correndo para o outro bebedouro, bebendo água e fazendo um grande
barulho, saboreando bem alto a sua vitória, “aaaaah!”, enquanto a coordenadora falava
alto em prováveis punições.
As
questões que surgem daí são: primeiro, qual é a causa dessa atitude de rebeldia
tão aberta? Será que é fruto de problemas domésticos familiares que estão
repercutindo no comportamento desses rapazes? É a resposta a atitudes
inconvenientes ou pouco pedagógicas da direção e dos professores? É fruto do
modelo de escola imposto, e nisso eu friso bem: IMPOSTO, pela Secretaria de Educação,
que, ignorando os aspectos afetivos e sociais do desenvolvimento das crianças
as tornam reféns, assim como aos professores, de metas de caráter meramente
cognitivo-eleitoreiro? É uma mistura de tudo isso?
Segundo:
o que a escola, ou o sistema com um todo, têm feito para responder às demandas
sociais e afetivas dos alunos? O que a escola tem feito, fora da repressão,
para desenvolver a disciplina social e o autocontrole emocional-afetivo desses
garotos? Pelo que eu vivencio: nada! Temos uma professora mediadora muito
esforçada, mas convenhamos, não é a mesma coisa que uma psicóloga, e até uma
enfermeira com especialização em atendimento infanto-juvenil, como acontece nas
escolas americanas, onde o nosso governo foi buscar a Secretaria Escolar
Digital (SED). Pelo lado do sistema, a mesma coisa. O grande investimento do
momento é a SED, que aumentará enormemente o controle e o aspecto da escola
como uma mera e afetivamente neutra linha de produção, semelhante a uma fábrica
de conservas, com a vantagem de transferir trabalho de secretaria para os professores,
permitindo redução de custo. Palavra mágica e mântrica desse governo.
O que
fazer então? Ora, esses alunos são “figurinhas carimbadas” se se quiser agir
pelo lado da repressão, é só usar contra eles medidas administrativas legais
como a suspensão. É possível, embora não seja certo, que, após um ou dois casos
punidos exemplarmente por esse instituto administrativo, essa compulsão passe. O
perigo são esses meninos decidirem não mais ir a escola, como vários já o fizeram,
impunemente, ao longo desse ano, apesar das ameaças da legislação. Não dá para
por na cadeia ou cobrar multas aos pais de tantos alunos que não querem mais ir
à escola. Não há cadeia que chegue. Isso é uma excrecência do Regime Militar ou
do autoritarismo histórico de nossa sociedade, tornado ridículo, pelo monte de
leis paternalistas criadas após 1988, a pretexto de proteger a infância e juventude
da incoerência e da hipocrisia dos adultos. Para mim, que conheci o que havia
antes, piorou.
Uma
alternativa seria encarar filosoficamente essa atitude, entendendo que esses meninos
– nenhuma aluna participa disso – estão usando disso como um ritual de autoafirmação,
cuja causa precisa ser descoberta e trabalhada, ao mesmo tempo em que a escola,
se desprendendo um pouco do monopólio da cognição, e mesmo essa abordada de
forma incorreta, ressuscitando o behaviorismo, passe a trabalhar e avaliar mais
o valor das normas sociais e de uma socialização bem sucedida, em que pese o
caos da sociedade brasileira, com os professores tolerando, sem se estressar
com o atraso, mas estimulando-os com elogios quando eles se fizerem
merecedores. Para mim é o melhor caminho.
(Visite o blogue construindopiaget.blogspot.com.br)
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