sexta-feira, 31 de outubro de 2014

COLANDO COM SALIVA

            Prof Eduardo Simões

            Mais uma vez a direção da minha escola mostra que não é do ramo. Tudo começou com a vice passando um pito nos alunos por causa da sua postura displicente, principalmente de alunos do Ensino Médio, durante a oração de abertura do expediente. Confesso que nunca vi muita conveniência nisso, uma vez que nem todos os alunos são cristãos praticantes, quando não têm alguma birra, por causa dos pais que os obrigam a ir à missa ou ao culto, quando não porque a rebeldia é a marca dessa idade. Para mim, melhor seria se fosse feito uma espécie de oração-compromisso, religiosamente neutra, com a república, a democracia, ao esforço intelectual e a nobreza moral; enfim um momento de congraçamento e união, com o fim, inclusive da discriminação sexual constante das filas separadas de meninos e meninas.
            O mais grave, porém, é a forma errática de como esses pitos aparecem na escola. Em alguns momentos, parece-nos que os alunos estão mais agitados ainda, e nada acontece! Será que os alunos não percebem isso? Eu acho que sim, e ficam perdidos. É preciso que fique claro para eles quando a displicência, nesse momento, passa dos limites, e uma vez ultrapassados o pito, ou outra punição, deve vir irrevogavelmente, e não quando as gestoras simplesmente decidem que, naquele dia, não vão aturar. Os alunos, percebendo isso, nunca deixarão de testar.
            A isso seguiu uma cena tragicômica: a equipe de gestão, a diretora estava ausente, preocupada com os alunos que, sempre quando acaba a oração, se dirigem ao banheiro e aos bebedouros, para atrasar propositalmente a sua entrada na aula, resolveu, nesse dia, agir. Eles se dirigiram ao banheiro, a coordenadora correu à frente para impedi-los, aí eles se desviaram para um bebedouro, a coordenadora saiu atrás, falando alto e pedindo que eles fossem para a sala, como os outros, aí eles saíram correndo para o outro bebedouro, bebendo água e fazendo um grande barulho, saboreando bem alto a sua vitória, “aaaaah!”, enquanto a coordenadora falava alto em prováveis punições.
            As questões que surgem daí são: primeiro, qual é a causa dessa atitude de rebeldia tão aberta? Será que é fruto de problemas domésticos familiares que estão repercutindo no comportamento desses rapazes? É a resposta a atitudes inconvenientes ou pouco pedagógicas da direção e dos professores? É fruto do modelo de escola imposto, e nisso eu friso bem: IMPOSTO, pela Secretaria de Educação, que, ignorando os aspectos afetivos e sociais do desenvolvimento das crianças as tornam reféns, assim como aos professores, de metas de caráter meramente cognitivo-eleitoreiro? É uma mistura de tudo isso?
            Segundo: o que a escola, ou o sistema com um todo, têm feito para responder às demandas sociais e afetivas dos alunos? O que a escola tem feito, fora da repressão, para desenvolver a disciplina social e o autocontrole emocional-afetivo desses garotos? Pelo que eu vivencio: nada! Temos uma professora mediadora muito esforçada, mas convenhamos, não é a mesma coisa que uma psicóloga, e até uma enfermeira com especialização em atendimento infanto-juvenil, como acontece nas escolas americanas, onde o nosso governo foi buscar a Secretaria Escolar Digital (SED). Pelo lado do sistema, a mesma coisa. O grande investimento do momento é a SED, que aumentará enormemente o controle e o aspecto da escola como uma mera e afetivamente neutra linha de produção, semelhante a uma fábrica de conservas, com a vantagem de transferir trabalho de secretaria para os professores, permitindo redução de custo. Palavra mágica e mântrica desse governo.
            O que fazer então? Ora, esses alunos são “figurinhas carimbadas” se se quiser agir pelo lado da repressão, é só usar contra eles medidas administrativas legais como a suspensão. É possível, embora não seja certo, que, após um ou dois casos punidos exemplarmente por esse instituto administrativo, essa compulsão passe. O perigo são esses meninos decidirem não mais ir a escola, como vários já o fizeram, impunemente, ao longo desse ano, apesar das ameaças da legislação. Não dá para por na cadeia ou cobrar multas aos pais de tantos alunos que não querem mais ir à escola. Não há cadeia que chegue. Isso é uma excrecência do Regime Militar ou do autoritarismo histórico de nossa sociedade, tornado ridículo, pelo monte de leis paternalistas criadas após 1988, a pretexto de proteger a infância e juventude da incoerência e da hipocrisia dos adultos. Para mim, que conheci o que havia antes, piorou.
            Uma alternativa seria encarar filosoficamente essa atitude, entendendo que esses meninos – nenhuma aluna participa disso – estão usando disso como um ritual de autoafirmação, cuja causa precisa ser descoberta e trabalhada, ao mesmo tempo em que a escola, se desprendendo um pouco do monopólio da cognição, e mesmo essa abordada de forma incorreta, ressuscitando o behaviorismo, passe a trabalhar e avaliar mais o valor das normas sociais e de uma socialização bem sucedida, em que pese o caos da sociedade brasileira, com os professores tolerando, sem se estressar com o atraso, mas estimulando-os com elogios quando eles se fizerem merecedores. Para mim é o melhor caminho.

           
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