HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL PARA TODOS III
Autor: PROF. EDUARDO JORGE C.
SIMÕES
Co-autores: Bianca Francine
Correa da Silva
João Marcus Antunes Tavares
Marcus Vinicius Gomes Barbosa
Willians Campos Duart
História
é texto. Uma imagem fixa (foto, quadro, gravura) nada nos diz sobre os
movimentos e ações que antecederam ao estado que ela nos apresenta, e que o
determinaram. Um filme pode até mostrar um fato se desenrolando, mas nunca os
interesses que o determinaram. Só o texto, escrito ou oral, pode fazer justiça
à história e torná-la história.
CAPÍTULO - 3
IDADE
MÉDIA (476 - 1453?)
REINOS BÁRBAROS
(séc. V e VII)
Além da fronteira do Império Romano com
havia uma região pouco conhecida, que os romanos chamavam Germânia, e que englobava as terras da atual Alemanha, Dinamarca,
Polônia, etc., onde vivia um conjunto de povos culturalmente aparentados, que
passaram à história com o nome de germânicos.
A cultura deles diferenciava-se tanto da dos romanos como da dos povos que
viviam na Europa Ocidental, os celtas.
Depois de lutas duríssimas contra os
germanos, inclusive com o massacre de três legiões no tempo de Otávio Augusto,
os romanos optaram por uma convivência pacífica e uma política de contenção,
levantando uma extensa muralha em torno da fronteira com a Germânia, por onde
as duas culturas, a celta-romana e a germânica, travavam intenso e proveitoso
comércio de mercadorias e culturas.
Gradualmente os romanos foram
assimilando os germânicos, e vice-versa, admitindo-os inclusive como soldados e
generais no exército, permitindo que algumas tribos se instalassem em terras do
império. Mas nem assim houve paz na fronteira, pois à medida que a população da
Germânia aumentava ou experimentava a chegada de um novo povo, em geral vindo
do Oriente, ia um povo empurrando o outro, na direção do Ocidente, num
"efeito dominó", que fazia ruir as defesas romanas. As legiões tinham
que se desdobrar para impedir a invasão geral do Império.
Na virada do ano de 406, porém, as
fronteiras arrebentaram de vez. Empurrados pelos hunos, que vinham do Oriente, diversos povos germânicos atiraram-se
contra a fronteira, invadindo o Império, e, embora fossem poucos e mal
equipados, avançaram, saqueando uma cidade atrás da outra, sem que nenhuma
legião se mexesse. A crise política-econômica crônica levara Roma a uma crise
de identidade fatal. Ninguém esperava mais nada de bom da parte de Roma.
A invasão do primeiro grupo de povos
germânicos serviu de chamariz aos outros que povos que, abandonando suas terras
na Germânia, se atiraram contras as terras do Império, numa espécie de
"corrida do ouro", ávidos por saquear as cidades mais ricas e ocupar
as melhores terras. Atrás deles vinham os terríveis hunos, um grupo de povos
asiáticos de cultura turco-mongol, sobre os quais se contavam as mais terríveis
histórias, e que, após serem vencidos por romanos e germânicos, se
estabeleceram na Europa Central.
Entre os povos que invadiram o Império
Romano do Ocidente vale destacar:
a)
Suevos, que se estabeleceram no nordeste da Península Ibérica, sendo um dos
formadores da matriz cultural do povo português.
b) os visigodos,
que, após tomarem Roma em 410, criaram um vasto reino que englobava o centro
sul da França e toda Península Ibérica - os visigodos também tiveram importante
papel na formação da etnia portuguesa.
c) Vândalos, se destacaram por ser o único povo
germânico a manter uma frota de navios e pelo pior saque que Roma sofreu, em
455 (o termo "vandalismo" significa violência e desordem em quase
todas as línguas ocidentais) – dizem as crônicas que no momento Roma era
saqueada pelos eles, a população surpreendeu o imperador nas ruas, tentando
fugir, e o linchou.
d) Francos,
que invadiram o norte da França, e, após expulsarem os visigodos para a
Península Ibérica, fundaram o mais poderoso reino bárbaro do Ocidente.
d) Anglos
e Saxões, que foram dois povos
germânicos que invadiram a Inglaterra e formaram a matriz étnica do povo
inglês.
Entre as consequências dessas invasões
podemos citar:
a) Destruição do Império Romano, pela
incapacidade dos invasores de manterem as suas complexas instituições, embora
tenham tentado.
b) Substituição da matriz cultural
greco-romana, na Europa Ocidental, por outra que incluía tanto a matriz
greco-romana como elementos germânicos.
c) Ruralização da Europa, pois as cidades
eram o principal alvo de invasores sedentos por saques, e ninguém queria mais
morar nelas - para se ter uma ideia, no século IX, Roma, que já possuíra perto
de um milhão de habitantes se tornara uma vila com uns 10 mil habitantes.
d) Fim do comércio e das atividades
manufatureiras em larga escala, agravada pelo fim da circulação de moedas.
e) Destruição da formidável infraestrutura
romana, como o sistema de estradas, portos, aquedutos, etc., além de um
patrimônio cultural imenso que se perdeu definitivamente.
f) Retorno do principal centro de produção
de riquezas para o Oriente, na região da Ásia Menor, graças ao Império
Bizantino, o herdeiro político de Roma.
Etc.
O cristianismo romano também sofreu
consequências, pois alguns povos germânicos haviam sido cristianizados por
missionários que defendiam uma doutrina diferente da aceita em Roma, e por isso
haviam fugido do Império, onde eram considerados hereges, ou seja, quem diverge da posição majoritária em uma igreja,
para a Germânia. Os visigodos e os ostrogodos, que invadiram Roma, eram arianos, e começaram a perseguir a
Igreja.
Os Costumes
Germânicos Antigos
O historiador romanoTácito, em seu
livro Germania, faz a defesa dos costumes germânicos como moralmente "superiores"
aos dos romanos, tendo como parâmetro os costumes da elite romana, que eram
péssimos, e as poucas informações que obtivera sobre esses povos de viajantes
criativos e imaginosos, a maioria falsa. A verdadeira feição das sociedades
germânicas apareceu quando eles dominaram a Europa, e o que se viu foi bem
diferente.
Os germânicos, como gregos e romanos,
se reuniam em assembleias, mas diferente destes, suas assembleias não tinham
lugar certo de reunião nem eram permanentes. Na verdade eram encontros esporádicos
de chefes de clãs, e seus guarda-costas, que, em caso de muita controversia,
podiam acabar em espalhafatosa e sangrenta pancadaria.
Segundo: os germânicos possuíam
escravidão doméstica, aparentemente mais branda que a escravidão comercial e em
larga escala de gregos e romanos, mas também é verdade que estes estavam em
adiantado estado de esvaziamento social e legal da escravidão no século V.
Terceiro: o respeito às mulheres também
era uma ficção. Entre os germanos vigorava a poligamia de direito ou de fato,
quando o marido se juntava às suas escravas domésticas, na condição de amantes.
A mulher casada que fosse pega em adultério era enforcada, e seu corpo jogado
em um pântano, o homem, por sua vez era morto apenas se a amante já fosse casada.
Uma das mais bizarras, para nós,
instituições germânicas era o fato de o roubo ser punido com pena de morte,
enquanto o assassinato era punido com uma multa, e assim, quando o clero romano
tentou impor a proibição de divórcio entre os francos, os mais ricos logo
acharam uma saída: mandavam estrangular a esposa, pagavam a multa
correspondente, aceita sem problemas pela família da vítima, e assumiam a
atual. As famílias ricas se tornaram ninhos de víboras.
Também germânica era a instituição do
"Juízo de Deus" ou "Ordálio", que obrigava duas
pessoas que se contradiziam a resolver sua diferença pelo recurso às armas,
através de um duelo, onde o perdedor era fatalmente culpado, sem falar de
outras provas onde o acusado, para provar inocência, devia segurar em ferro
candente ou mergulhar as mãos em água escaldante - havia a prova de jogar a
acusada de adultério em um rio, com uma pedra amarrada, com a obrigação de
flutuar para provar sua inocência. Em relação às bruxas, requeria-se o
contrário.
O Reino dos Francos
Havia, na Europa, uma instituição, a Igreja
Católica, que tentava a todo custo preservar a cultura romana a despeito da
nova ordem implantada pela chegada dos povos germânicos, cujos maiorais também
tentavam reviver essa cultura, pelo menos no plano político-econômico, para
dela tirar proveito, mas a tarefa não era simples, afinal a Igreja era uma
instituição desarmada, pregando a paz e o entendimento, onde o que valia era a
lei do mais forte.
Habilmente,
bispos e religiosos católicos se aproximaram dos reis bárbaros, cuja posição,
na realidade, era frágil e provisória, oferecendo-lhes sua cultura letrada para
o aprimoramento e enriquecimento do reino, principalmente porque entre os germânicos
a lealdade a um chefe era circunstancial, só valia enquanto houvesse vantagens financeiras.
Além disso, só um rei forte poderia trazer um pouco de paz e segurança naquele
ambiente conturbado, algo indispensável para a catequese da Igreja.
Essa estratégia conseguiu uma grande
vitória em 496, quando, Clóvis, o
rei do mais poderoso povo germânico da época, os francos, se converteu ao
catolicismo, e, junto com seus sucessores, deu todo apoio material e militar à
igreja de Roma, recebendo em troca, o apoio de uma legião de homens eruditos
que lhes possibilitaram dominar e administrar com sucesso quase todo território
da atual França. Noventa anos depois, Recaredo,
o rei dos visigodos, o segundo povo germânico mais poderoso do Ocidente, se
torna católico.
O apoio dos francos foi vital para o
catolicismo não ser varrido do mapa da Europa, pois foram os seus soberanos que
acudiram o Papa quando a Itália foi invadida por um povo germânico, os lombardos, e foram também os francos
que impediram, com uma vitória decisiva em Poitiers,
perto de Paris, a invasão da Europa pelos árabes
muçulmanos, o que teria comprometido a sobrevivência do cristianismo
ocidental.
No Natal de 800, o Papa Leão III, corou
ao rei dos francos, Carlos, em Roma, estreitando ainda mais os laços que
ligavam a Igreja a esse povo. Carlos, que assumiu o governo sobre os francos em
768, e seguirá reinando até a sua morte, em 814, será tão bem sucedido, que
passará à história tradicional com o nome Carlos
Magno, e seu reinado será notável pelas seguintes razões:
a) Uma série de campanhas militares
bem-sucedidas ampliará o domínio dos francos nos territórios da atual Alemanha
e Áustria, conterá a invasão lombarda ao centro da Itália e criará uma zona de
influência franca no norte da Espanha, embora ali ele tenha sofrido uma derrota
famosa na batalha de Roncesvalles,
que se tornou tema de lendas e canções.
b) Intervenções na economia normatizará a
composição da moeda, estabelecendo os regras da contabilidade pública e
controle do preço de produtos básicos.
c) Investimentos massivos na educação e na
cultura farão que o seu reinado seja conhecido como Renascença Carolíngia, atraindo para a sua corte vários
intelectuais brilhantes, vindos de toda parte da Europa, como o anglo-saxão
(inglês) Alcuíno, o lombardo Paulo Diácono, o franco Eginardo, etc., sem falar de uma
reforma ortográfica e o estímulo à produção artística e cultural nos mosteiros.
d) Uma comissão de fiscais, os missi dominici, ficavam de olho nos condes, nobres que haviam sido beneficiados
com o governo de partes do reino, para velar pela qualidade da administração -
os missi dominici agiam sempre em dupla, sendo que um deles era um funcionário
comum e o outro um padre.
Etc.
Entretanto, Carlos e os seus
sucessores, chamados de carolíngios,
mantiveram o costume dos governantes bárbaro-germânicos de considerar o seu
reino como se fosse uma propriedade privada, podendo dividi-lo entre os seus
descendentes, como quem divide, hoje, uma propriedade rural por emio de um
testamento. Assim, quando o rei Luis o
Piedoso, filho de Carlos Magno, morreu, seus três netos resolveram repartir
entre si o reino construído pelo bisavô, no chamado Tratado de Verdun, em 843.
Esse tratado destruiu em definitivo o
Império Franco-Carolíngio, e determinou, junto a outros acontecimentos, a
fragmentação política da Europa Ocidental, que predominará durante a maior
parte da Idade Média
A Questão do
Patrimonialismo
O patrimonialismo é um termo criado
pelo sociólogo alemão Max Weber
(1864-1920), para designar aquelas lideranças que não conseguem distinguir
entre a sua propriedade, ou patrimônio, e o que é propriedade pública,
propriedade do Estado, adquirida com o dinheiro dos impostos que o povo paga.
Hoje em dia, se o presidente do Brasil,
ou da maioria dos países do mundo, quiser se desfazer de algum bem público, por
mais simples que seja, deve obter a autorização de um órgão encarregado só para
isso, com base em regras estritas, e às vezes, se for um patrimônio muito
grande, como uma empresa pública, é necessário que ele obtenha licença do
Congresso Nacional, que deverá também determinará as condições mínimas para a
venda da empresa.
Agora, em hipótese alguma o presidente,
ou quem quer que seja, poderá doar um pedaço do território nacional para um
poder estrangeiro, passando a fazer parte de outro país - um estrangeiro pode
comprar terras no Brasil, mas ele deverá se submeter às leis de nosso país,
pois sua terra continua a fazer parte do território nacional.
Não era assim que entendiam os antigos
reis bárbaros-germânicos, que usavam do dinheiro arrecadado em impostos como
bem entendiam, inclusive comprando coisa para uso pessoal, assim como doavam a
estrangeiros pedaços de seu reino. O Estado era, para eles, a continuação de
sua casa.
Essa postura é visível no Brasil,
quando um governador, por exemplo, usa da polícia ou de qualquer órgão do
estado para pressionar alguém, contra quem ele tenha uma rixa pessoal, como
aconteceu com frequência num período de nossa história, chamado de Primeira República ou República das Oligarquias.
Os bárbaros em
Portugal
Em 411, os povos bárbaros que haviam
irrompido no Império Romano no último dia de 406, chegaram ao território
português. Entre eles estavam os suevos,
que, segundo uma testemunha ocular, logo se converteram ao catolicismo - eram
pagãos - começaram a se dedicar à agricultura e entraram em acordo com os moradores
locais, formando um reino estável, que abrangia a Galiza, região que abarcava o noroeste da Espanha e norte de
Portugal, tendo como sede a cidade portuguesa de Braga.
Posteriormente, em 416, os visigodos
chegaram à Península, com uma missão dada pelos imperadores romanos de acabar
com os remanescentes dessa invasão. Os suevos, porém, lhes impuseram uma tenaz
resistência, sendo vencidos em 585, quando o Império Romano nem existia mais,
sendo então absorvidos pelo Reino Visigodo, que substituía a Roma no controle
da região.
A princípio houve conflito entre os
visigodos, que eram arianos, e os hispano-romanos, que eram católicos, sendo,
inclusive, proibido o casamento entre eles, até que o rei dos visigodos se
converte ao catolicismo e chega a um acordo, onde, teoricamente, todos são
submetidos a uma mesma lei: o Código
Visigótico, com todas aquelas características típicas das leis germânicas,
a lei do talião e multa para todos os lados - a princípio os hispano-romanos
seguiam a legislação romana e os visigodos os costumes germânicos.
Na prática pouca coisa mudou exceto
pelo fato de a vida cultural, como um todo, sofrer um acentuado declínio, em
virtude do caráter estritamente guerreiro da sociedade visigótica, como também
sofreu a economia, uma vez que os visigodos dividiram as terras segundo
critérios raciais, ficando com a maior e melhor parte, embora eles nada
entendessem de agricultura. Em termos políticos aconteceu o mesmo que acontecia
nos outros reinos bárbaros: muita luta interna, brigas de família, traições e
instabilidade
O IMPÉRIO BIZANTINO
Quando o imperador Teodósio dividiu o
Império Romano entre seus dois filhos, em 395, estava criando, sem o saber, um
novo império, que prolongaria por mais mil anos a existência da civilização
greco-romana, com algumas modificações que acentuariam ainda mais a cultura
grega, misturadas com um forte elemento importado do oriente: o cristianismo.
Este Império passou à história com o nome de Império Bizantino, ou Bizâncio,
numa referência à sua capital Constantinopla,
também chamada de Bizâncio.
No final do século V, o Império
Bizantino, que englobava a atual Turquia, Síria, Palestina, Egito e Líbia,
seguia muito bem, acumulando riquezas, tendo se tornado a única potência
consistente às margens do Mediterrâneo. Seus imperadores ficaram preocupados
com o que acontecia em Roma, mas como a situação da Itália era confusa e o
custo de uma intervenção militar elevado, sem falar que eles estavam sob o
ataque povos numerosos e aguerridos: os eslavos,
bárbaros de cultura diferente dos germânicos, e que compõem hoje as populações
de Polônia, Rússia, Sérvia, etc., os bizantinos preferiram esperar uma
oportunidade melhor.
Essa oportunidade apareceu em 535,
quando o imperador Justiniano mandou
um exército para retomar a Itália dos bárbaros ostrogodos, o que só foi
possível após uma guerra de 20 anos, tão destrutiva que os italianos ficaram
sem saber se agradeciam ou amaldiçoavam os seus "libertadores"! E mesmo
sem ter conquistado toda Itália, muitas terras foram perdidas quando uma nova
leva de povo germânico, os lombardos, tomou a maioria dos territórios conquistados
pelos bizantinos, que ficaram restritos ao sul da Itália.
Desde o início, portanto, houve muita
hostilidade a civilização romano-germânica, com sede em Roma, e a romano-grega,
com sede em Constantinopla, e as razões foram as seguintes:
a) A ambição de papas e imperadores em
dominar ou controlar doutrinariamente a porção oposta do antigo Império Romano.
b) Os bizantinos se tornavam cada vez mais
gregos e orientalizantes, abandonando a herança latina, ocidentalizante, que
Roma se esforçava por manter.
d) Os bizantinos eram cristãos fervorosos,
e sendo Bizâncio a sede de um império poderoso, ao contrário da decadente Roma,
eles não viam porque seus bispos deviam se submeter ao Bispo de Roma, o Papa,
sem mais. Os imperadores bizantinos tentaram interferir, inclusive pela
violência, na Igreja de Roma – papas foram presos e até assassinados. Para
contrabalançar esse poder, os papas vão se apoiar nos reis francos, recém-convertidos
por seus missionários.
A ruptura entre o cristianismo
bizantino e romano veio em etapas. Em primeiro lugar houve o sério conflito das imagens, quando o
imperador Leão III, em 730, e o imperador Leão V, em 814, levaram adiante um vigoroso
programa de extinção ao culto de imagens, no cristianismo, chamado de Movimento Iconoclasta (= quebra-imagem;
o termo vem de um tipo de imagem de santo bizantina chamada ícone), não só para ganhar a simpatia
do povo, que era influenciado pelos islâmicos,
que não admitem as imagens, como para combater o excesso de poder econômico dos
grandes mosteiros - comunidades de
religiosos - que possuíam muitas terras e regalias, como isenção de impostos. O
resultado dessas intervenções, que fracassaram, foi a destruição de um
riquíssimo patrimônio cultural-religioso e um estremecimento na relação com os
papas e o Ocidente.
Em segundo lugar, aconteceu, em 1054,
uma disputa entre os enviados do Papa a Constantinopla e o patriarca local, recém-eleito, sobre quem detinha mais autoridade -
um patriarca é um bispo que dirige uma diocese especial, fundada por um
apóstolo. Uma questão sem importância, mas que conduzida com intolerância e
inabilidade por ambas as partes, acabou redundando na separação definitiva entre
os cristãos do Oriente e os do Ocidente.
A igreja oriental, com sede em Constantinopla, se tornou a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, e
a ocidental tornou-se a Igreja Católica
Apostólica Romana, e esse evento da separação das duas igrejas é chamado,
pelos ocidentais, de Grande Cisma do
Oriente.
A partir do Grande Cisma, o destino das
duas Igrejas e das duas civilizações, a Cristã Ocidental e a Cristã Oriental ou
Bizantina, se fez de forma independente, quando não mutuamente hostil, como
aconteceu com as muitas guerras travadas entre Bizâncio e cidades italianas, e
no ataque a Constantinopla pela Cruzada
de 1204, até o fim do Império Bizantino nas mãos dos turcos otomanos, de religião islâmica, em 1453.
A Herança de
Bizâncio
Os bizantinos eram cristãos
apaixonados, que por qualquer razão e em qualquer lugar, iniciavam calorosos
debates sobre assuntos religiosos muito abstratos como a natureza da Santíssima
Trindade ou a adequação de um termo técnico usado na teologia. Isso
desestabilizava um pouco o cerne de sua civilização, que era fruto de um
compromisso entre a Igreja, dominada pelos patriarcas e bispos orientais, e o
imperador, mas também mostrava uma coisa importante: o altíssimo nível da
educação do povo. E não era só isso: as mulheres também tinham acesso a essa
educação.
A consequência de tanta discussão foi,
além do aparecimento de várias heresias, um apego apaixonado pela tradição,
fazendo com que a sua religião se tornasse estática, assumindo um literalismo
bíblico acanhado, enquanto rejeitava toda tentativa de renovação de antigas
crenças. No plano espiritual os ortodoxos sobrevalorizam a vida mística de quem
vive isolado, orando, distante das coisas do mundo.
A eficiência da administração pública,
criada pelos antigos romanos, é gabada por muitos como uma das responsáveis
pela duração do império: mais de mil anos, apesar da incapacidade de muitos
imperadores, que além de reivindicarem um poder absoluto, eram escolhidos por
um sistema que estimulava as tramas de bastidores, a corrupção e a violência.
A excepcional posição geográfica de
Bizâncio, aliada a uma administração pública eficaz e a defesa das empresas
locais, permitiu que o império acumulasse um volume enorme de riquezas por meio
do comércio e do seu artesanato de luxo, em especial da seda, famosa em todo
mundo.
Mas a economia bizantina tinha um ponto
fraco, e justo na sua atividade mais importante: a agricultura, cuja
produtividade era afetada pela questão da propriedade, marcada pela forma
insidiosa e violenta como os grandes proprietários leigos e mosteiros se
apropriavam da terra dos pequenos camponeses, deixando-os na pobreza, eles que
eram a maioria da população. Descontente e sobrecarregada de impostos, essa
gente vai receber os árabes, e a sua nova religião, como libertadores.
Presos ao sobrenatural e a uma cultura
da opulência, boa parte da riqueza gerada pela economia foi gasta na construção
e no embelezamento de palácios, igrejas e conventos, criando uma arte religiosa
original e de altíssimo nível, da qual, infelizmente, pouca coisa sobrou, seja
pela destruição pelos iconoclastas seja pelos conquistadores islâmicos. Mas o
que sobrou impressiona. Desse período restou um monumento colossal e incrível:
a igreja catedral de Santa Sofia
(sofia, em grego, quer dizer "sabedoria"), em Constantinopla,
construída em 360, que ainda hoje maravilha, apesar da destruição e
modificações sofridas nos últimos 500 anos.
O Cesaropapismo
É o nome que alguns dão à relação que
havia entre Igreja e Imperador no período bizantino. Uma relação de favores
mútuos, que ligava intimamente um a outro.
Os membros da Igreja, bispos e padres,
assumiam a defesa intransigente do imperador, associando-o à vontade de Deus,
ensinando ao povo uma obediência irrestrita às ordens do governante, uma vez
que elas representavam a "vontade de Deus", e em troca o imperador
dava vantagens materiais aos membros do clero, inclusive isenção de impostos,
facilitando a propagação da mensagem religiosa.
O resultado é que algumas instituições
ligadas à Igreja, como conventos, mosteiros e dioceses, ficaram muito ricas,
despertando a cobiça de imperadores, enquanto afastava da Igreja a maior parte da
população, que passava a vê-la como instrumento de opressão. Não é de admirar
que o surgimento do islamismo,
socialmente menos injusto na fronteira do Império, tenha provocado uma rápida
adesão dos seus habitantes, acelerando a sua decadência.
O cesaropapismo também existiu no Ocidente, quando os papas
tentaram controlar a política do Império Franco, e, principalmente, nas
relações entre eles e os imperadores do Sacro
Império Romano Germânico, de que falaremos mais tarde, embora de uma forma
menos acentuada, em virtude da mentalidade ocidental não se acomodar bem a essa
"mistura".
Corpus Iuris Civilis
A realização mais famosa do imperador
bizantino Justiniano foi reunião de dezenas de juristas, para a elaboração de
uma obra de direito monumental chamada Corpus Iuris Civilis, Corpo de Direito
Civil, resgatando boa parte daquilo que é considerado um dos principais legados
da Civilização Romana ao mundo: a
sistematização do direito.
Embora a obra se disponha a organizar
as normas de direito romano a partir do imperador Adriano em diante, aproximadamente
de 117 até 565, os comentários feitos a essas leis são baseados em muitas leis
e costumes bem mais antigos. O Corpus estava dividido nas seguintes partes;
a) O Codex Justinianus, de 529, que faz uma organização das leis ou
constituições que regularam o governo do Império Romano até ele. Eram 12
livros, e neles estavam contidas determinações como as que previam a liberdade
do escravo após 20 anos de trabalho e a da igualdade entre as pessoas perante a
lei. A parte penal foi abrandada. O Codex fazia do imperador a única fonte do
direito.
b) O Digesto ou Pandectas, de
533, uma coleção de 50 volumes contendo anotações e comentários de afamados
juristas familiarizados ocm o antigo direito romano; seu desejo era lei.
c) Instituições
ou Institutas, de 534, num total de
quatro livros, compunham uma espécie de manual de estudantes de direito, feitos
para familiarizá-los com tão vasta tradição.
d) Novelas,
a partir de 534, era o conjunto das novas leis, derivadas das mudanças
inevitáveis experimentadas pela evolução da sociedade. Essa parte foi
enriquecida por vários imperadores bizantinos nos século seguintes.
O Corpus Iuris não foi uma obra
popular: no Oriente houve o problema dele ter sido escrito em latim para um
povo que só falava grego. No Ocidente teve a desvantagem de se referir a uma
realidade que não existia mais: um império ou estado organizado o bastante para
fazer valer leis tão complexas, sem falar que era uma obra imensa – a sua
última edição teve 60 volumes - em um mundo onde a maioria esmagadora da
população era analfabeta e o livro um artigo de luxo... de muito luxo.
A CIVILIZAÇÃO ISLÂMICA
A Península
da Arábia, uma região seca e estéril, composta por desertos de areia, com
temperaturas elevadas, era ocupada desde tempos imemoriais, por povos nômades,
tornando-se, inclusive, a região de origem dos povos de língua e cultura
semita.
Povos irrequietos, organizados em
tribos, que se dividiam em dois grandes grupos: os que moravam em cidades e faziam
fortuna como intermediários entre o rico comércio do Oriente com o Oriente
Próximo; e os que viviam como pastores nômades, nas regiões interiores, mas que
não perdiam a oportunidade de atacar uma expedição de comerciantes - as
mercadorias eram transportadas no lombo de camelos formando uma caravana - ou mesmo o rebanho de uma
tribo inimiga. Uma sociedade dura, viril, que valorizava a guerra, e o roubo,
justificado por estarem sempre a um passo da extinção física, seja pela fome
seja pela guerra. Você rouba porque já roubaram o seu.
A família
extensa ou clã, composta por
parentes de sangue, parentes longínquos e agregados, formando uma tribo, à qual
se devia lealdade absoluta, era a base da sociedade. Quem quisesse viver
sozinho estaria com os dias contados. A vingança era a regra na resolução de
conflitos, e a violência era crônica.
Havia também a possibilidade da adoção
de uma pessoa ou um grupo, por uma tribo maior, formando poderosas coligações.
Uma das tribos mais poderosas, a dos coraichitas,
graças à adoção de vários clãs e grupos, como os hachimitas, conseguira se apoderar da importante cidade comercial
de Meca, onde estava o templo mais
famoso da Arábia, chamado Caaba: uma
estrutura em forma de cubo, onde estavam as inúmeras divindades das tribos
árabes politeístas. Além destas havia comunidades de cristãos, judeus, e
zoroástricos persas.
No ano de 610, um rico comerciante
hachimita de Meca, chamado Muhammed,
começou a ter visões, onde lhe aparecia alguém, que ele acreditou ser o anjo Gabriel, que lhe anunciava uma missão:
ser o anunciador da última e definitiva vontade de Deus, uma vez que os judeus
teriam deturpado a mensagem original e os cristãos entenderam mal o anúncio de
Jesus Cristo. A nova religião passou a se chamar Islã, que quer dizer: "submissão a Deus".
Pregando um estrito monoteísmo, Mohammed
e seus seguidores bateram de frente com os coraixitas, que ganhavam muito
dinheiro e prestígio com o politeísmo local. A perseguição foi imediata e
violenta, obrigando Mohammed e os seus seguidores a fugir para uma cidade
próxima: Yatrib, em 622. Esse episódio, chamado Hégira (migração), em árabe, é tratado com toda deferência pelos
islâmicos, e a data de sua ocorrência tornou-se o início, o marco zero, de seu
calendário. Mais tarde a cidade de Iatrib será rebatizada de Medina, e é hoje um dos centros mais
importantes da religião islâmica.
Sua pregação em Medina, porém, atraiu
mais seguidores ao Islã, e com o apoio de tribos cristãs e de elementos judeus,
Mohammed partiu para a conquista de Meca, conseguida depois de renhidas
batalhas, transformando-a no centro de sua religião, destruindo os ídolos que
lá havia, preservando, no entanto, a Caaba. Mas, após conseguir o seu intento,
ele deu um cheque mate nos seus aliados cristãos e judeus: ou se convertem ou
vão embora. Rapidamente as tribos da Península Arábica se unem em torno da nova
religião.
Mohammed morre em 632, e seus
seguidores continuaram, com ardor redobrado, a conquistar novas terras e povos
para a sua religião. O primeiro a sentir o impacto foi o Império Bizantino,
que, esgotado pelas guerras contínuas contra a Pérsia, rapidamente perdeu seus
territórios na África e na Palestina - a própria capital, Constantinopla, foi
cercada, mas salva por vitórias bizantinas em terra e mar, que detiveram o
avanço árabe. A mesma sorte não teve o Império Persa, que caiu após uma breve
campanha.
O que sobrou de resíduos do Império
Romano no norte da África foi levado de roldão, caindo um após o outro. Em 711
os árabes penetram na Europa pela Península Ibérica, destroem o decadente reino
visigodo na Espanha e penetram na França. A Europa já estava a um passo de se
tornar islâmica, quando os francos conseguiram derrotá-los numa batalha perto
de Paris, obrigando-os a retornar à Espanha, estabelecendo uma fronteira
estável. Mas nem assim os cristãos europeus respiraram aliviados: em 846, uma
frota de piratas árabes atacou e saqueou os arredores de Roma, inclusive a basílica
de São Pedro, morada dos papas.
Mas foram as últimas grandes
conquistas. O gigantismo e o espontaneísmo do império inviabilizavam a sua
estabilidade pelas seguintes razões:
a) Como não havia uma regra sucessória
definida – o mesmo mau de Roma e Bizâncio - estabeleceu-se na corte dos
governantes árabes, chamados califas,
uma luta pelo poder tal que logo degenerou em assassinatos, violências e
divisões sectárias.
b) A abertura inicial da mensagem islâmica
e a ausência de um clero organizado permitiram o aparecimento de diversas
correntes, que se atacavam mutuamente - a divisão mais famosa e sangrenta foi a
gerada pelo aparecimento de um grupo autointitulado xiítas, que conquistou os persas e manteve guerras contra a
maioria, representada pelos árabes sunitas
- árabes e persas têm cultura diferente.
Começaram a parecer “salvadores” e
“profetas” por todos os lados, alguns fortemente armados, querendo direcionar o
movimento. No norte da África, por exemplo, a população local, os berberes, que havia se convertido ao
Islã, revoltou-se contra a discriminação da elite árabe, além da luta pelo
domínio de rentáveis rotas comerciais, e começou uma enorme guerra civil, que
enfraqueceu o ímpeto dos ataques contra a Europa Ocidental, etc. etc.
As contradições originais da mensagem durante
o processo de conquista do mundo, paralisando-o, pois uma de suas premissas era
que os não islâmicos, os infiéis,
pagariam a maior carga de impostos para sustentar o conforto aqui na terra dos
fiéis. Mas como isso iria acontecer se todo mundo estava se convertendo, e não
era correto cobrar tributo dos convertidos? A realidade cobrava o seu preço.
As crenças e Obrigações Básicas do Islã
a) O islã é uma religião revelada, ou
seja: os seus princípios foram dados diretamente pela divindade e não pelo
raciocínio humano.
b) O Corão, em árabe, "recitação", pois o conteúdo do livro
deve ser recitado pelo fiel, de preferência sabido de cor, é o livro que contém
essa revelação, que para os árabes foi feito por meio de um ditado de Deus a
Mohammad, de sorte que o Corão venerado pelos islâmicos é uma cópia fiel de um
que existe junto de Deus.
c) Mohammad incitou os islamitas a
serem tolerantes com cristãos e judeus, que são chamados de povos do livro, embora nem todos os
islâmicos sigam essa recomendação.
d) Os islâmicos guardam a sexta-feira
na semana, ao contrário dos judeus, que guardam o sábado, e os cristãos, que
guardam o domingo. Nesse dia eles se reúnem em um templo específico, a mesquita, marcada pela presença de uma
torre lateral, o minarete, onde um
homem, o muezim, convida os fiéis a
rezar ou vir para o ofício religioso. No passado eles gritavam a plenos
pulmões, hoje usam alto-falantes. Na mesquita, eles rezam, escutam a palavra do
Corão e ouvem o comentário de algum estudioso. Na mesquita existe um local
apontando corretamente na direção de Meca, para a qual todos devem se curvar
durante as orações.
e) Não existe um clero organizado,
exceto entre os xiitas, onde são chamados de aiatolás; mas existem os ulemás,
que são estudiosos leigos do Corão, muito respeitados nas sociedades islâmicas;
os sufis, que se retiram para
lugares isolados para viver experiências místicas, em irmandades; os marabus, que são pessoas de vida
reclusa e muito piedosas.
f) Existem cinco obrigações
inarredáveis para qualquer fiel islâmico: proclamar a unicidade de Deus,
conforme o texto do Corão, dizendo: "Só
Alá é Deus e Mohammad o seu profeta"; pagar o dízimo, variável entre
2,5 e 20 % dos bens para ser dado como esmola e ajuda aos mais pobres; parar o
que está fazendo e rezar cinco vezes ao dia com o rosto voltado para Meca;
fazer uma peregrinação à Meca pelo menos uma vez na vida, se o indivíduo tiver
recursos e saúde; jejuar e/ou cumprir obrigações diversas no mês do Ramadã.
g) A questão da purificação ou impureza
ritual é levada muito a sério, por isso abluções com água são recomendadas,
além de se evitar certas substâncias como as secreções internas do corpo
humano, em especial o sangue, além do contato com cadáveres.
É, enfim, uma religião que estimula
muito a ação coletiva e atos concretos, correndo o risco de cair no ritualismo.
É visceral e ardorosa na sua apresentação e em suas conclamações, muito de
acordo com o temperamento dominante nos povos do oriente.
A Questão do Jihad
O conceito de Jihad, que em árabe quer
dizer literalmente “esforço”, mas que foi traduzido pelos ocidentais como
Guerra Santa, tem gerado muita discussão.
Segundo os estudiosos islâmicos,
haveria o Grande Jihad, que seria a luta que o indivíduo trava contra suas más
inclinações, em favor de seu autoaperfeiçoamento, e o Pequeno Jihad, que seria
a luta travada contra os inimigos do Islã, que de forma alguma seria um dos pilares
de sua religião.
É verdade que o Corão recomenda, em
diversos capítulos, a necessidade de travar também uma guerra física, contínua
e implacável contra os “hipócritas”, dentro da comunidade islâmica, e os
infiéis. Mas essa guerra, altamente meritória, deve ter sempre um caráter
defensivo. O problema é que nos textos também se respira um clima contínuo de
conspiração externa, de perigo de contaminação, por excesso de proximidade com
quem não é crente, que deixa muita gente sugestionável vendo inimigos em todo
lugar, gerando uma excitação contínua de sair do Grande Jihad para o Pequeno.
Essa situação tendeu a se agravar com o
tempo quando enormes grupos de povos, culturalmente muito diversos, se
agregaram à comunidade islâmica, passando a interpretar o texto de acordo com a
sua experiência cultural gerando diferentes compreensões do texto sagrado, como
aconteceu com sunitas e xiitas, levando o Pequeno Jihad para dentro da própria
comunidade de fiéis.
Auge e Decadência do Islamismo Antigo
No seu
auge, entre os séculos VIII e IX, a sociedade árabe-islâmica era a mais
evoluída e sofisticada do mundo ocidental. Uma civilização urbana, letrada, sem
miséria, governada por uma elite ávida por literatura de alto nível, por uma
sabedoria sutil e humanista, que morava em palácios amplos, abertos,
higiênicos, cercados por jardins e belas fontes, tendo o seu interior repleto
de obras de arte, com destaque para tapetes e azulejos de uma beleza
deslumbrante.
Enquanto isso, na Europa bárbaro-cristã
milhões viviam uma rotina de violência, miséria e desespero, com os pobres
morando em choupanas miseráveis enquanto os ricos se trancafiavam em torres ora
de madeira ora de pedra e cascalhos toscos, com o interior escuro, mofado e mal
cheiroso, comendo junto com animais, enquanto se contaminavam com a sujeira
onipresente. A rudeza e grosseria dos costumes eram simplesmente
indescritíveis.
No ramo
das ciências os árabes islâmicos deram contribuições incalculáveis ao
desenvolvimento do conhecimento humano.
a) Na química, embora eles começassem
pela busca infrutífera da pedra
filosofal da alquimia, descobriram
substâncias e compostos úteis como o nitrato de prata, o salitre, o bórax, etc.,
além de descrever os processos de destilação, filtração e sublimação.
b) Na matemática, eles aperfeiçoaram a
geometria dos gregos e a aritmética dos indianos e aperfeiçoaram novas formas
de raciocínio matemático, criando um novo ramo desta ciência, álgebra.
c) Na arquitetura eles se dedicaram
principalmente à construção de palácios e mesquitas, ornadas com versos do
Corão, aproveitando-se da sinuosidade das letras de seu alfabeto, criando
ambientes internos de uma beleza deslumbrante e um exterior suntuoso, mas sem
ostentação.
d) Foram os cientistas islâmicos que
criaram a ótica, discorrendo sobre a natureza das lentas e sobre as
características da luz.
e) Eles foram grandes divulgadores, na
Europa, da filosofia grega, em especial a de Aristóteles, que estava um tanto
esquecida, em virtude da ampla difusão de Platão, feita pelo bispo Agostinho de
Hipona, além de outros autores antigos, cuja memória fora riscada pela
violência das invasões bárbaras. Entre os pensadores islâmicos destacam-se Al-Farabi, Avicena e Averroés.
f) Na medicina eles desenvolveram
vários remédios, aperfeiçoaram as intervenções, cirúrgicas, descreveram
corretamente a causa e o tratamento de muitas doenças, além de defender o
caráter psicossomático das doenças em geral – o paciente era visto como um todo
– etc. Possuíam uma avançada noção de higiene e os seus hospitais se baseavam
em princípios e normas, muitas das quais são aceitas até hoje.
g) Na literatura islâmica,
principalmente a de língua persa, a poesia atingiu níveis de excelência na
forma, o naturalismo dos temas e elevação intelectual considerável. O poeta
mais conhecido foi o persa Omar Kayian,
Sadi e Hafiz Shirazi. Junto com as coisas de Deus, a mulher é a principal
inspiradora dos mais belos poemas dessa fase.
Lutando com paixão contra quem lhe
resistia, os islâmicos acumularam muitos inimigos e guerras, que ajudavam a
reduzir tanto o número de infiéis como de crentes, esgotando a elite fundadora,
enquanto provocava mudanças e contradições no interior do mundo islâmico, agora
um mosaico de culturas muito diferentes, com suas elites ansiosas por expandir
seu poder político e econômico.
No seio
da comunidade de fieis surgem, oposições e animosidades igualmente apaixonadas.
Em 750, explode uma luta pelo poder no centro do Império Árabe, quando um grupo
derrubou o califa da dinastia omíada,
reinante em Damasco (Síria), e inaugurou outra dinastia chamada abássida, em Bagdá (Iraque), enquanto
outros povos e tribos, todos islâmicos, mas não árabes, a se atiram contra estes,
agora vistos como opressores, como aconteceu no norte da África entre árabes e
berberes, no final do século X, sem falar das guerras sangrentas, a partir de
680, que tornaram xiitas e sunitas dois grupos inconciliáveis.
Todas essas
dificuldades levaram alguns grupos radicais ou fundamentalistas da elite a
assumir mais poder dentro da comunidade, pregando um rigorismo distante da
flexibilidade mental e espiritual dos primeiros tempos, em nome pureza ritual e
da segurança, que levariam as sociedades árabes à estagnação política econômica
e social. A mulher deixa de ser a fonte de inspiração superior para se tornar
uma fonte de pecados, o que justifica a sua segregação e o seu uso como instrumento
de procriação a serviço do patriarca. O estudo crítico, objetivo, da natureza é
abandonado, o conhecimento científico fica estagnado...
Mas no início não era assim... Conta
uma história que, indagado sobre qual seria a pessoa que ele mais amava, o
profeta Mohammed teria respondido:
- É Aisha – Aisha era sua terceira
esposa.
- E depois de Aisha, quem é? Tornaram a
perguntar-lhe.
- É Abu-Bakr, por ser o pai de Aisha.
Vocabulário
Canção de Rolando: foi um dos mais famosos poemas épicos medievais, de
autoria desconhecida – sua versão mais completa possui 4002 versos, escrita em
língua anglo-normanda, datando de 1070. Ele trata de uma expedição punitiva que
Carlos Magno empreendeu, contra reis muçulmanos da Península Ibérica, que
estavam atacando a outros reis muçulmanos dessa mesma península, mas que eram
aliados de Carlos. A luta aí foi tão intensa que ele resolveu voltar para a
França e aguardar nova oportunidade, na sua retirada, porém, a retaguarda de
suas tropas foi atacada, aparentemente por bascos, inconformados com o
crescimento do domínio franco no sul da França e Norte da Espanha. Essa
batalha, acontecida em 15 de agosto de 778, em um lugar nos Montes Pirineus
chamado Roncesvales, levou à morte de um sobrinho de Carlos Magno que comandava
a retaguarda nessa ocasião. O seu nome Rolando ou Orlando. A batalha,
apresentada como gigantesca no poema, não passou de uma escaramuça, mas a morte
de Rolando deve ter causado tal comoção na corte, que o seu nome acabou virando
o símbolo do heroísmo cavalheiresco, e uma meta para todo cavaleiro medieval
que se prezasse.
Heresias: é o nome dado pelo clero católico às diversas correntes
que não conseguiram impor seus pontos de vista, quanto à interpretação das
lacunas teológicas ou dificuldades diversas deixadas pela pregação de Cristo ou
pela destruição de documentos cristãos por conta das perseguições dos
imperadores romanos. Quando um determinada linha se tornava a oficial, depois
de muitos debates e até convocação de concílios, os membros das correntes
vencidas eram convidados a aderir ao pensamento da maioria (a ortodoxia), se,
no entanto, perseverassem na sua crença original (sua heterodoxia) eram então
desligados da Igreja, excomungados, e tratados como hereges. As principais
heresias dos primeiros séculos do cristianismo foram as seguintes:
a) Adocionismo: derivada de ambientes
judaicos, essa corrente defendia que o homem Cristo era Filho de Deus só por
adoção, o seu lado humano não compartilharia a natureza divina, estavam
irremediavelmente separadas.
b) Arianismo: negava a divindade de
Cristo, por conseguinte sua consubstancialidade com Deus, afirmando que ele era
uma criatura, superior, muito antiga, criada especialmente por Deus, que se
encarnara no homem Jesus de Nazaré. Deus por sua vez era um mistério insondável
que jamais poderia ser revelado ao homem. O arianismo causou uma grande comoção
na Igreja é vários personagens importantes o abraçaram, até que foi condenado
oficialmente no Primeiro Concílio de Niceia (20 de maio a 19 de junho de 325).
Para evitar as punições decorrentes desse concílio, vários sacerdotes que
aderiram a essa heresia fugiram do Império Romano, e um deles foi o bispo
Ulfilas, de ascendência romana, mas criado entre os godos, que para eles se
dirigiu e a eles pregou o cristianismo segundo a sua concepção, com grande
sucesso. Ulfilas também conseguiu traduzir a Bíblia para a língua goda e criou
um alfabeto para a sua escrita. O alfabeto gótico.
c)
Montanismo:
Hunos: esse povo, oriundo da Ásia Central, tem sido tradicionalmente
associado aos nômades Xiongnu, uma poderosa coalizão de tribos nômades do norte
da China e Mongólia, que deu muito trabalho aos imperadores chineses, até que estes
conseguiram definitivamente enquadra-los a mantê-los longe de suas fronteiras.
Acredita-se que um grupo mais ocidental deles se desgarrou do restante e se
precipitou para oeste, até chegar bater de frente com as tribos que viviam
próximo à fronteira oriental do decadente Império Romano. Por volta de 350 os
hunos arrasaram o poderoso reino dos alanos, que existia na Rússia, e estes, em
pânico, fugiram para o oeste. Mais tarde eles derrotaram os poderosos
ostrogodos, mais a oeste, e esses se precipitaram sobre o Império, empurrando,
por sua vez, outros povos, numa espécie de efeito dominó. Em 378, os visigodos,
já instalados nas terras do Império, esmagam as legiões romanas em
Adrianópolis, matando o imperador, no dia 9 de agosto, até que em 395, as
sentinelas romanas dão alarme da chegada dos hunos. Eles, de fato, foram
precedidos por toda sorte de boato alarmista, que os apresentavam como pouco
mais que animais selvagens, furiosos, absolutamente isentos de compaixão. Entre
os anos de 432 e 453, eles revolveram quase toda a Europa continental, pondo
fogo em grandes cidades, e criando um fama de conquistadores impiedoso, até que
seu principal líder, Átila, morreu de uma hemorragia nasal, uma doença que
sempre lhe acometera, após uma noite de bebedeira, sufocado no próprio sangue.
(visite os blogues construindopiaget.blogspot.com.br - memoriaecritica...)
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