quarta-feira, 22 de outubro de 2014

HISTÓRIA GERAL E DO BRASIL PARA TODOS III

Autor: PROF. EDUARDO JORGE C. SIMÕES

Co-autores: Bianca Francine Correa da Silva
                   João Marcus Antunes Tavares
                   Marcus Vinicius Gomes Barbosa
                   Willians Campos Duart

História é texto. Uma imagem fixa (foto, quadro, gravura) nada nos diz sobre os movimentos e ações que antecederam ao estado que ela nos apresenta, e que o determinaram. Um filme pode até mostrar um fato se desenrolando, mas nunca os interesses que o determinaram. Só o texto, escrito ou oral, pode fazer justiça à história e torná-la história.


CAPÍTULO - 3

IDADE MÉDIA (476 - 1453?)

REINOS BÁRBAROS (séc. V e VII)

         Além da fronteira do Império Romano com havia uma região pouco conhecida, que os romanos chamavam Germânia, e que englobava as terras da atual Alemanha, Dinamarca, Polônia, etc., onde vivia um conjunto de povos culturalmente aparentados, que passaram à história com o nome de germânicos. A cultura deles diferenciava-se tanto da dos romanos como da dos povos que viviam na Europa Ocidental, os celtas.
         Depois de lutas duríssimas contra os germanos, inclusive com o massacre de três legiões no tempo de Otávio Augusto, os romanos optaram por uma convivência pacífica e uma política de contenção, levantando uma extensa muralha em torno da fronteira com a Germânia, por onde as duas culturas, a celta-romana e a germânica, travavam intenso e proveitoso comércio de mercadorias e culturas.
         Gradualmente os romanos foram assimilando os germânicos, e vice-versa, admitindo-os inclusive como soldados e generais no exército, permitindo que algumas tribos se instalassem em terras do império. Mas nem assim houve paz na fronteira, pois à medida que a população da Germânia aumentava ou experimentava a chegada de um novo povo, em geral vindo do Oriente, ia um povo empurrando o outro, na direção do Ocidente, num "efeito dominó", que fazia ruir as defesas romanas. As legiões tinham que se desdobrar para impedir a invasão geral do Império.
         Na virada do ano de 406, porém, as fronteiras arrebentaram de vez. Empurrados pelos hunos, que vinham do Oriente, diversos povos germânicos atiraram-se contra a fronteira, invadindo o Império, e, embora fossem poucos e mal equipados, avançaram, saqueando uma cidade atrás da outra, sem que nenhuma legião se mexesse. A crise política-econômica crônica levara Roma a uma crise de identidade fatal. Ninguém esperava mais nada de bom da parte de Roma.
         A invasão do primeiro grupo de povos germânicos serviu de chamariz aos outros que povos que, abandonando suas terras na Germânia, se atiraram contras as terras do Império, numa espécie de "corrida do ouro", ávidos por saquear as cidades mais ricas e ocupar as melhores terras. Atrás deles vinham os terríveis hunos, um grupo de povos asiáticos de cultura turco-mongol, sobre os quais se contavam as mais terríveis histórias, e que, após serem vencidos por romanos e germânicos, se estabeleceram na Europa Central.
         Entre os povos que invadiram o Império Romano do Ocidente vale destacar:
a) Suevos, que se estabeleceram no nordeste da Península Ibérica, sendo um dos formadores da matriz cultural do povo português.
b) os visigodos, que, após tomarem Roma em 410, criaram um vasto reino que englobava o centro sul da França e toda Península Ibérica - os visigodos também tiveram importante papel na formação da etnia portuguesa.
c) Vândalos, se destacaram por ser o único povo germânico a manter uma frota de navios e pelo pior saque que Roma sofreu, em 455 (o termo "vandalismo" significa violência e desordem em quase todas as línguas ocidentais) – dizem as crônicas que no momento Roma era saqueada pelos eles, a população surpreendeu o imperador nas ruas, tentando fugir, e o linchou.
d) Francos, que invadiram o norte da França, e, após expulsarem os visigodos para a Península Ibérica, fundaram o mais poderoso reino bárbaro do Ocidente.
d) Anglos e Saxões, que foram dois povos germânicos que invadiram a Inglaterra e formaram a matriz étnica do povo inglês.
         Entre as consequências dessas invasões podemos citar:
a) Destruição do Império Romano, pela incapacidade dos invasores de manterem as suas complexas instituições, embora tenham tentado.
b) Substituição da matriz cultural greco-romana, na Europa Ocidental, por outra que incluía tanto a matriz greco-romana como elementos germânicos.
c) Ruralização da Europa, pois as cidades eram o principal alvo de invasores sedentos por saques, e ninguém queria mais morar nelas - para se ter uma ideia, no século IX, Roma, que já possuíra perto de um milhão de habitantes se tornara uma vila com uns 10 mil habitantes.
d) Fim do comércio e das atividades manufatureiras em larga escala, agravada pelo fim da circulação de moedas.
e) Destruição da formidável infraestrutura romana, como o sistema de estradas, portos, aquedutos, etc., além de um patrimônio cultural imenso que se perdeu definitivamente.
f) Retorno do principal centro de produção de riquezas para o Oriente, na região da Ásia Menor, graças ao Império Bizantino, o herdeiro político de Roma.
Etc.
         O cristianismo romano também sofreu consequências, pois alguns povos germânicos haviam sido cristianizados por missionários que defendiam uma doutrina diferente da aceita em Roma, e por isso haviam fugido do Império, onde eram considerados hereges, ou seja, quem diverge da posição majoritária em uma igreja, para a Germânia. Os visigodos e os ostrogodos, que invadiram Roma, eram arianos, e começaram a perseguir a Igreja.

Os Costumes Germânicos Antigos
         O historiador romanoTácito, em seu livro Germania, faz a defesa dos costumes germânicos como moralmente "superiores" aos dos romanos, tendo como parâmetro os costumes da elite romana, que eram péssimos, e as poucas informações que obtivera sobre esses povos de viajantes criativos e imaginosos, a maioria falsa. A verdadeira feição das sociedades germânicas apareceu quando eles dominaram a Europa, e o que se viu foi bem diferente.
         Os germânicos, como gregos e romanos, se reuniam em assembleias, mas diferente destes, suas assembleias não tinham lugar certo de reunião nem eram permanentes. Na verdade eram encontros esporádicos de chefes de clãs, e seus guarda-costas, que, em caso de muita controversia, podiam acabar em espalhafatosa e sangrenta pancadaria.
         Segundo: os germânicos possuíam escravidão doméstica, aparentemente mais branda que a escravidão comercial e em larga escala de gregos e romanos, mas também é verdade que estes estavam em adiantado estado de esvaziamento social e legal da escravidão no século V.
         Terceiro: o respeito às mulheres também era uma ficção. Entre os germanos vigorava a poligamia de direito ou de fato, quando o marido se juntava às suas escravas domésticas, na condição de amantes. A mulher casada que fosse pega em adultério era enforcada, e seu corpo jogado em um pântano, o homem, por sua vez era morto apenas se a amante já fosse casada.
         Uma das mais bizarras, para nós, instituições germânicas era o fato de o roubo ser punido com pena de morte, enquanto o assassinato era punido com uma multa, e assim, quando o clero romano tentou impor a proibição de divórcio entre os francos, os mais ricos logo acharam uma saída: mandavam estrangular a esposa, pagavam a multa correspondente, aceita sem problemas pela família da vítima, e assumiam a atual. As famílias ricas se tornaram ninhos de víboras.
         Também germânica era a instituição do "Juízo de Deus" ou "Ordálio", que obrigava duas pessoas que se contradiziam a resolver sua diferença pelo recurso às armas, através de um duelo, onde o perdedor era fatalmente culpado, sem falar de outras provas onde o acusado, para provar inocência, devia segurar em ferro candente ou mergulhar as mãos em água escaldante - havia a prova de jogar a acusada de adultério em um rio, com uma pedra amarrada, com a obrigação de flutuar para provar sua inocência. Em relação às bruxas, requeria-se o contrário.

O Reino dos Francos
         Havia, na Europa, uma instituição, a Igreja Católica, que tentava a todo custo preservar a cultura romana a despeito da nova ordem implantada pela chegada dos povos germânicos, cujos maiorais também tentavam reviver essa cultura, pelo menos no plano político-econômico, para dela tirar proveito, mas a tarefa não era simples, afinal a Igreja era uma instituição desarmada, pregando a paz e o entendimento, onde o que valia era a lei do mais forte.
         Habilmente, bispos e religiosos católicos se aproximaram dos reis bárbaros, cuja posição, na realidade, era frágil e provisória, oferecendo-lhes sua cultura letrada para o aprimoramento e enriquecimento do reino, principalmente porque entre os germânicos a lealdade a um chefe era circunstancial, só valia enquanto houvesse vantagens financeiras. Além disso, só um rei forte poderia trazer um pouco de paz e segurança naquele ambiente conturbado, algo indispensável para a catequese da Igreja.
         Essa estratégia conseguiu uma grande vitória em 496, quando, Clóvis, o rei do mais poderoso povo germânico da época, os francos, se converteu ao catolicismo, e, junto com seus sucessores, deu todo apoio material e militar à igreja de Roma, recebendo em troca, o apoio de uma legião de homens eruditos que lhes possibilitaram dominar e administrar com sucesso quase todo território da atual França. Noventa anos depois, Recaredo, o rei dos visigodos, o segundo povo germânico mais poderoso do Ocidente, se torna católico.
         O apoio dos francos foi vital para o catolicismo não ser varrido do mapa da Europa, pois foram os seus soberanos que acudiram o Papa quando a Itália foi invadida por um povo germânico, os lombardos, e foram também os francos que impediram, com uma vitória decisiva em Poitiers, perto de Paris, a invasão da Europa pelos árabes muçulmanos, o que teria comprometido a sobrevivência do cristianismo ocidental.
         No Natal de 800, o Papa Leão III, corou ao rei dos francos, Carlos, em Roma, estreitando ainda mais os laços que ligavam a Igreja a esse povo. Carlos, que assumiu o governo sobre os francos em 768, e seguirá reinando até a sua morte, em 814, será tão bem sucedido, que passará à história tradicional com o nome Carlos Magno, e seu reinado será notável pelas seguintes razões:
         a) Uma série de campanhas militares bem-sucedidas ampliará o domínio dos francos nos territórios da atual Alemanha e Áustria, conterá a invasão lombarda ao centro da Itália e criará uma zona de influência franca no norte da Espanha, embora ali ele tenha sofrido uma derrota famosa na batalha de Roncesvalles, que se tornou tema de lendas e canções.
b) Intervenções na economia normatizará a composição da moeda, estabelecendo os regras da contabilidade pública e controle do preço de produtos básicos.
c) Investimentos massivos na educação e na cultura farão que o seu reinado seja conhecido como Renascença Carolíngia, atraindo para a sua corte vários intelectuais brilhantes, vindos de toda parte da Europa, como o anglo-saxão (inglês) Alcuíno, o lombardo Paulo Diácono, o franco Eginardo, etc., sem falar de uma reforma ortográfica e o estímulo à produção artística e cultural nos mosteiros.
d) Uma comissão de fiscais, os missi dominici, ficavam de olho nos condes, nobres que haviam sido beneficiados com o governo de partes do reino, para velar pela qualidade da administração - os missi dominici agiam sempre em dupla, sendo que um deles era um funcionário comum e o outro um padre.
Etc.
         Entretanto, Carlos e os seus sucessores, chamados de carolíngios, mantiveram o costume dos governantes bárbaro-germânicos de considerar o seu reino como se fosse uma propriedade privada, podendo dividi-lo entre os seus descendentes, como quem divide, hoje, uma propriedade rural por emio de um testamento. Assim, quando o rei Luis o Piedoso, filho de Carlos Magno, morreu, seus três netos resolveram repartir entre si o reino construído pelo bisavô, no chamado Tratado de Verdun, em 843.
         Esse tratado destruiu em definitivo o Império Franco-Carolíngio, e determinou, junto a outros acontecimentos, a fragmentação política da Europa Ocidental, que predominará durante a maior parte da Idade Média

A Questão do Patrimonialismo
         O patrimonialismo é um termo criado pelo sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), para designar aquelas lideranças que não conseguem distinguir entre a sua propriedade, ou patrimônio, e o que é propriedade pública, propriedade do Estado, adquirida com o dinheiro dos impostos que o povo paga.
         Hoje em dia, se o presidente do Brasil, ou da maioria dos países do mundo, quiser se desfazer de algum bem público, por mais simples que seja, deve obter a autorização de um órgão encarregado só para isso, com base em regras estritas, e às vezes, se for um patrimônio muito grande, como uma empresa pública, é necessário que ele obtenha licença do Congresso Nacional, que deverá também determinará as condições mínimas para a venda da empresa.
         Agora, em hipótese alguma o presidente, ou quem quer que seja, poderá doar um pedaço do território nacional para um poder estrangeiro, passando a fazer parte de outro país - um estrangeiro pode comprar terras no Brasil, mas ele deverá se submeter às leis de nosso país, pois sua terra continua a fazer parte do território nacional.
         Não era assim que entendiam os antigos reis bárbaros-germânicos, que usavam do dinheiro arrecadado em impostos como bem entendiam, inclusive comprando coisa para uso pessoal, assim como doavam a estrangeiros pedaços de seu reino. O Estado era, para eles, a continuação de sua casa.
         Essa postura é visível no Brasil, quando um governador, por exemplo, usa da polícia ou de qualquer órgão do estado para pressionar alguém, contra quem ele tenha uma rixa pessoal, como aconteceu com frequência num período de nossa história, chamado de Primeira República ou República das Oligarquias.
        
Os bárbaros em Portugal
         Em 411, os povos bárbaros que haviam irrompido no Império Romano no último dia de 406, chegaram ao território português. Entre eles estavam os suevos, que, segundo uma testemunha ocular, logo se converteram ao catolicismo - eram pagãos - começaram a se dedicar à agricultura e entraram em acordo com os moradores locais, formando um reino estável, que abrangia a Galiza, região que abarcava o noroeste da Espanha e norte de Portugal, tendo como sede a cidade portuguesa de Braga.
         Posteriormente, em 416, os visigodos chegaram à Península, com uma missão dada pelos imperadores romanos de acabar com os remanescentes dessa invasão. Os suevos, porém, lhes impuseram uma tenaz resistência, sendo vencidos em 585, quando o Império Romano nem existia mais, sendo então absorvidos pelo Reino Visigodo, que substituía a Roma no controle da região.
         A princípio houve conflito entre os visigodos, que eram arianos, e os hispano-romanos, que eram católicos, sendo, inclusive, proibido o casamento entre eles, até que o rei dos visigodos se converte ao catolicismo e chega a um acordo, onde, teoricamente, todos são submetidos a uma mesma lei: o Código Visigótico, com todas aquelas características típicas das leis germânicas, a lei do talião e multa para todos os lados - a princípio os hispano-romanos seguiam a legislação romana e os visigodos os costumes germânicos.         
         Na prática pouca coisa mudou exceto pelo fato de a vida cultural, como um todo, sofrer um acentuado declínio, em virtude do caráter estritamente guerreiro da sociedade visigótica, como também sofreu a economia, uma vez que os visigodos dividiram as terras segundo critérios raciais, ficando com a maior e melhor parte, embora eles nada entendessem de agricultura. Em termos políticos aconteceu o mesmo que acontecia nos outros reinos bárbaros: muita luta interna, brigas de família, traições e instabilidade


O IMPÉRIO BIZANTINO

         Quando o imperador Teodósio dividiu o Império Romano entre seus dois filhos, em 395, estava criando, sem o saber, um novo império, que prolongaria por mais mil anos a existência da civilização greco-romana, com algumas modificações que acentuariam ainda mais a cultura grega, misturadas com um forte elemento importado do oriente: o cristianismo. Este Império passou à história com o nome de Império Bizantino, ou Bizâncio, numa referência à sua capital Constantinopla, também chamada de Bizâncio.
         No final do século V, o Império Bizantino, que englobava a atual Turquia, Síria, Palestina, Egito e Líbia, seguia muito bem, acumulando riquezas, tendo se tornado a única potência consistente às margens do Mediterrâneo. Seus imperadores ficaram preocupados com o que acontecia em Roma, mas como a situação da Itália era confusa e o custo de uma intervenção militar elevado, sem falar que eles estavam sob o ataque povos numerosos e aguerridos: os eslavos, bárbaros de cultura diferente dos germânicos, e que compõem hoje as populações de Polônia, Rússia, Sérvia, etc., os bizantinos preferiram esperar uma oportunidade melhor.
         Essa oportunidade apareceu em 535, quando o imperador Justiniano mandou um exército para retomar a Itália dos bárbaros ostrogodos, o que só foi possível após uma guerra de 20 anos, tão destrutiva que os italianos ficaram sem saber se agradeciam ou amaldiçoavam os seus "libertadores"! E mesmo sem ter conquistado toda Itália, muitas terras foram perdidas quando uma nova leva de povo germânico, os lombardos, tomou a maioria dos territórios conquistados pelos bizantinos, que ficaram restritos ao sul da Itália.
         Desde o início, portanto, houve muita hostilidade a civilização romano-germânica, com sede em Roma, e a romano-grega, com sede em Constantinopla, e as razões foram as seguintes:
a) A ambição de papas e imperadores em dominar ou controlar doutrinariamente a porção oposta do antigo Império Romano.
b) Os bizantinos se tornavam cada vez mais gregos e orientalizantes, abandonando a herança latina, ocidentalizante, que Roma se esforçava por manter.
d) Os bizantinos eram cristãos fervorosos, e sendo Bizâncio a sede de um império poderoso, ao contrário da decadente Roma, eles não viam porque seus bispos deviam se submeter ao Bispo de Roma, o Papa, sem mais. Os imperadores bizantinos tentaram interferir, inclusive pela violência, na Igreja de Roma – papas foram presos e até assassinados. Para contrabalançar esse poder, os papas vão se apoiar nos reis francos, recém-convertidos por seus missionários.
         A ruptura entre o cristianismo bizantino e romano veio em etapas. Em primeiro lugar houve o sério conflito das imagens, quando o imperador Leão III, em 730, e o imperador Leão V, em 814, levaram adiante um vigoroso programa de extinção ao culto de imagens, no cristianismo, chamado de Movimento Iconoclasta (= quebra-imagem; o termo vem de um tipo de imagem de santo bizantina chamada ícone), não só para ganhar a simpatia do povo, que era influenciado pelos islâmicos, que não admitem as imagens, como para combater o excesso de poder econômico dos grandes mosteiros - comunidades de religiosos - que possuíam muitas terras e regalias, como isenção de impostos. O resultado dessas intervenções, que fracassaram, foi a destruição de um riquíssimo patrimônio cultural-religioso e um estremecimento na relação com os papas e o Ocidente.     
         Em segundo lugar, aconteceu, em 1054, uma disputa entre os enviados do Papa a Constantinopla e o patriarca local, recém-eleito, sobre quem detinha mais autoridade - um patriarca é um bispo que dirige uma diocese especial, fundada por um apóstolo. Uma questão sem importância, mas que conduzida com intolerância e inabilidade por ambas as partes, acabou redundando na separação definitiva entre os cristãos do Oriente e os do Ocidente.  A igreja oriental, com sede em Constantinopla, se tornou a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, e a ocidental tornou-se a Igreja Católica Apostólica Romana, e esse evento da separação das duas igrejas é chamado, pelos ocidentais, de Grande Cisma do Oriente.
         A partir do Grande Cisma, o destino das duas Igrejas e das duas civilizações, a Cristã Ocidental e a Cristã Oriental ou Bizantina, se fez de forma independente, quando não mutuamente hostil, como aconteceu com as muitas guerras travadas entre Bizâncio e cidades italianas, e no ataque a Constantinopla pela Cruzada de 1204, até o fim do Império Bizantino nas mãos dos turcos otomanos, de religião islâmica, em 1453.
        
A Herança de Bizâncio
         Os bizantinos eram cristãos apaixonados, que por qualquer razão e em qualquer lugar, iniciavam calorosos debates sobre assuntos religiosos muito abstratos como a natureza da Santíssima Trindade ou a adequação de um termo técnico usado na teologia. Isso desestabilizava um pouco o cerne de sua civilização, que era fruto de um compromisso entre a Igreja, dominada pelos patriarcas e bispos orientais, e o imperador, mas também mostrava uma coisa importante: o altíssimo nível da educação do povo. E não era só isso: as mulheres também tinham acesso a essa educação.
         A consequência de tanta discussão foi, além do aparecimento de várias heresias, um apego apaixonado pela tradição, fazendo com que a sua religião se tornasse estática, assumindo um literalismo bíblico acanhado, enquanto rejeitava toda tentativa de renovação de antigas crenças. No plano espiritual os ortodoxos sobrevalorizam a vida mística de quem vive isolado, orando, distante das coisas do mundo.
         A eficiência da administração pública, criada pelos antigos romanos, é gabada por muitos como uma das responsáveis pela duração do império: mais de mil anos, apesar da incapacidade de muitos imperadores, que além de reivindicarem um poder absoluto, eram escolhidos por um sistema que estimulava as tramas de bastidores, a corrupção e a violência.
         A excepcional posição geográfica de Bizâncio, aliada a uma administração pública eficaz e a defesa das empresas locais, permitiu que o império acumulasse um volume enorme de riquezas por meio do comércio e do seu artesanato de luxo, em especial da seda, famosa em todo mundo.
         Mas a economia bizantina tinha um ponto fraco, e justo na sua atividade mais importante: a agricultura, cuja produtividade era afetada pela questão da propriedade, marcada pela forma insidiosa e violenta como os grandes proprietários leigos e mosteiros se apropriavam da terra dos pequenos camponeses, deixando-os na pobreza, eles que eram a maioria da população. Descontente e sobrecarregada de impostos, essa gente vai receber os árabes, e a sua nova religião, como libertadores.
         Presos ao sobrenatural e a uma cultura da opulência, boa parte da riqueza gerada pela economia foi gasta na construção e no embelezamento de palácios, igrejas e conventos, criando uma arte religiosa original e de altíssimo nível, da qual, infelizmente, pouca coisa sobrou, seja pela destruição pelos iconoclastas seja pelos conquistadores islâmicos. Mas o que sobrou impressiona. Desse período restou um monumento colossal e incrível: a igreja catedral de Santa Sofia (sofia, em grego, quer dizer "sabedoria"), em Constantinopla, construída em 360, que ainda hoje maravilha, apesar da destruição e modificações sofridas nos últimos 500 anos.
        
O Cesaropapismo
         É o nome que alguns dão à relação que havia entre Igreja e Imperador no período bizantino. Uma relação de favores mútuos, que ligava intimamente um a outro.
         Os membros da Igreja, bispos e padres, assumiam a defesa intransigente do imperador, associando-o à vontade de Deus, ensinando ao povo uma obediência irrestrita às ordens do governante, uma vez que elas representavam a "vontade de Deus", e em troca o imperador dava vantagens materiais aos membros do clero, inclusive isenção de impostos, facilitando a propagação da mensagem religiosa.
         O resultado é que algumas instituições ligadas à Igreja, como conventos, mosteiros e dioceses, ficaram muito ricas, despertando a cobiça de imperadores, enquanto afastava da Igreja a maior parte da população, que passava a vê-la como instrumento de opressão. Não é de admirar que o surgimento do islamismo, socialmente menos injusto na fronteira do Império, tenha provocado uma rápida adesão dos seus habitantes, acelerando a sua decadência.
        O cesaropapismo também existiu no Ocidente, quando os papas tentaram controlar a política do Império Franco, e, principalmente, nas relações entre eles e os imperadores do Sacro Império Romano Germânico, de que falaremos mais tarde, embora de uma forma menos acentuada, em virtude da mentalidade ocidental não se acomodar bem a essa "mistura".

Corpus Iuris Civilis            
         A realização mais famosa do imperador bizantino Justiniano foi reunião de dezenas de juristas, para a elaboração de uma obra de direito monumental chamada Corpus Iuris Civilis, Corpo de Direito Civil, resgatando boa parte daquilo que é considerado um dos principais legados da Civilização Romana ao mundo: a sistematização do direito.
         Embora a obra se disponha a organizar as normas de direito romano a partir do imperador Adriano em diante, aproximadamente de 117 até 565, os comentários feitos a essas leis são baseados em muitas leis e costumes bem mais antigos. O Corpus estava dividido nas seguintes partes;
         a) O Codex Justinianus, de 529, que faz uma organização das leis ou constituições que regularam o governo do Império Romano até ele. Eram 12 livros, e neles estavam contidas determinações como as que previam a liberdade do escravo após 20 anos de trabalho e a da igualdade entre as pessoas perante a lei. A parte penal foi abrandada. O Codex fazia do imperador a única fonte do direito.
         b) O Digesto ou Pandectas, de 533, uma coleção de 50 volumes contendo anotações e comentários de afamados juristas familiarizados ocm o antigo direito romano; seu desejo era lei.
         c) Instituições ou Institutas, de 534, num total de quatro livros, compunham uma espécie de manual de estudantes de direito, feitos para familiarizá-los com tão vasta tradição.
         d) Novelas, a partir de 534, era o conjunto das novas leis, derivadas das mudanças inevitáveis experimentadas pela evolução da sociedade. Essa parte foi enriquecida por vários imperadores bizantinos nos século seguintes.
         O Corpus Iuris não foi uma obra popular: no Oriente houve o problema dele ter sido escrito em latim para um povo que só falava grego. No Ocidente teve a desvantagem de se referir a uma realidade que não existia mais: um império ou estado organizado o bastante para fazer valer leis tão complexas, sem falar que era uma obra imensa – a sua última edição teve 60 volumes - em um mundo onde a maioria esmagadora da população era analfabeta e o livro um artigo de luxo... de muito luxo.

A CIVILIZAÇÃO ISLÂMICA

         A Península da Arábia, uma região seca e estéril, composta por desertos de areia, com temperaturas elevadas, era ocupada desde tempos imemoriais, por povos nômades, tornando-se, inclusive, a região de origem dos povos de língua e cultura semita.
         Povos irrequietos, organizados em tribos, que se dividiam em dois grandes grupos: os que moravam em cidades e faziam fortuna como intermediários entre o rico comércio do Oriente com o Oriente Próximo; e os que viviam como pastores nômades, nas regiões interiores, mas que não perdiam a oportunidade de atacar uma expedição de comerciantes - as mercadorias eram transportadas no lombo de camelos formando uma caravana - ou mesmo o rebanho de uma tribo inimiga. Uma sociedade dura, viril, que valorizava a guerra, e o roubo, justificado por estarem sempre a um passo da extinção física, seja pela fome seja pela guerra. Você rouba porque já roubaram o seu.
         A família extensa ou clã, composta por parentes de sangue, parentes longínquos e agregados, formando uma tribo, à qual se devia lealdade absoluta, era a base da sociedade. Quem quisesse viver sozinho estaria com os dias contados. A vingança era a regra na resolução de conflitos, e a violência era crônica.
         Havia também a possibilidade da adoção de uma pessoa ou um grupo, por uma tribo maior, formando poderosas coligações. Uma das tribos mais poderosas, a dos coraichitas, graças à adoção de vários clãs e grupos, como os hachimitas, conseguira se apoderar da importante cidade comercial de Meca, onde estava o templo mais famoso da Arábia, chamado Caaba: uma estrutura em forma de cubo, onde estavam as inúmeras divindades das tribos árabes politeístas. Além destas havia comunidades de cristãos, judeus, e zoroástricos persas.
         No ano de 610, um rico comerciante hachimita de Meca, chamado Muhammed, começou a ter visões, onde lhe aparecia alguém, que ele acreditou ser o anjo Gabriel, que lhe anunciava uma missão: ser o anunciador da última e definitiva vontade de Deus, uma vez que os judeus teriam deturpado a mensagem original e os cristãos entenderam mal o anúncio de Jesus Cristo. A nova religião passou a se chamar Islã, que quer dizer: "submissão a Deus".
         Pregando um estrito monoteísmo, Mohammed e seus seguidores bateram de frente com os coraixitas, que ganhavam muito dinheiro e prestígio com o politeísmo local. A perseguição foi imediata e violenta, obrigando Mohammed e os seus seguidores a fugir para uma cidade próxima: Yatrib, em 622. Esse episódio, chamado Hégira (migração), em árabe, é tratado com toda deferência pelos islâmicos, e a data de sua ocorrência tornou-se o início, o marco zero, de seu calendário. Mais tarde a cidade de Iatrib será rebatizada de Medina, e é hoje um dos centros mais importantes da religião islâmica.
         Sua pregação em Medina, porém, atraiu mais seguidores ao Islã, e com o apoio de tribos cristãs e de elementos judeus, Mohammed partiu para a conquista de Meca, conseguida depois de renhidas batalhas, transformando-a no centro de sua religião, destruindo os ídolos que lá havia, preservando, no entanto, a Caaba. Mas, após conseguir o seu intento, ele deu um cheque mate nos seus aliados cristãos e judeus: ou se convertem ou vão embora. Rapidamente as tribos da Península Arábica se unem em torno da nova religião.
         Mohammed morre em 632, e seus seguidores continuaram, com ardor redobrado, a conquistar novas terras e povos para a sua religião. O primeiro a sentir o impacto foi o Império Bizantino, que, esgotado pelas guerras contínuas contra a Pérsia, rapidamente perdeu seus territórios na África e na Palestina - a própria capital, Constantinopla, foi cercada, mas salva por vitórias bizantinas em terra e mar, que detiveram o avanço árabe. A mesma sorte não teve o Império Persa, que caiu após uma breve campanha.
         O que sobrou de resíduos do Império Romano no norte da África foi levado de roldão, caindo um após o outro. Em 711 os árabes penetram na Europa pela Península Ibérica, destroem o decadente reino visigodo na Espanha e penetram na França. A Europa já estava a um passo de se tornar islâmica, quando os francos conseguiram derrotá-los numa batalha perto de Paris, obrigando-os a retornar à Espanha, estabelecendo uma fronteira estável. Mas nem assim os cristãos europeus respiraram aliviados: em 846, uma frota de piratas árabes atacou e saqueou os arredores de Roma, inclusive a basílica de São Pedro, morada dos papas.
         Mas foram as últimas grandes conquistas. O gigantismo e o espontaneísmo do império inviabilizavam a sua estabilidade pelas seguintes razões:
a) Como não havia uma regra sucessória definida – o mesmo mau de Roma e Bizâncio - estabeleceu-se na corte dos governantes árabes, chamados califas, uma luta pelo poder tal que logo degenerou em assassinatos, violências e divisões sectárias.
b) A abertura inicial da mensagem islâmica e a ausência de um clero organizado permitiram o aparecimento de diversas correntes, que se atacavam mutuamente - a divisão mais famosa e sangrenta foi a gerada pelo aparecimento de um grupo autointitulado xiítas, que conquistou os persas e manteve guerras contra a maioria, representada pelos árabes sunitas - árabes e persas têm cultura diferente.
Começaram a parecer “salvadores” e “profetas” por todos os lados, alguns fortemente armados, querendo direcionar o movimento. No norte da África, por exemplo, a população local, os berberes, que havia se convertido ao Islã, revoltou-se contra a discriminação da elite árabe, além da luta pelo domínio de rentáveis rotas comerciais, e começou uma enorme guerra civil, que enfraqueceu o ímpeto dos ataques contra a Europa Ocidental, etc. etc.
         As contradições originais da mensagem durante o processo de conquista do mundo, paralisando-o, pois uma de suas premissas era que os não islâmicos, os infiéis, pagariam a maior carga de impostos para sustentar o conforto aqui na terra dos fiéis. Mas como isso iria acontecer se todo mundo estava se convertendo, e não era correto cobrar tributo dos convertidos? A realidade cobrava o seu preço.

As crenças e Obrigações Básicas do Islã
         a) O islã é uma religião revelada, ou seja: os seus princípios foram dados diretamente pela divindade e não pelo raciocínio humano.
         b) O Corão, em árabe, "recitação", pois o conteúdo do livro deve ser recitado pelo fiel, de preferência sabido de cor, é o livro que contém essa revelação, que para os árabes foi feito por meio de um ditado de Deus a Mohammad, de sorte que o Corão venerado pelos islâmicos é uma cópia fiel de um que existe junto de Deus.
         c) Mohammad incitou os islamitas a serem tolerantes com cristãos e judeus, que são chamados de povos do livro, embora nem todos os islâmicos sigam essa recomendação.
         d) Os islâmicos guardam a sexta-feira na semana, ao contrário dos judeus, que guardam o sábado, e os cristãos, que guardam o domingo. Nesse dia eles se reúnem em um templo específico, a mesquita, marcada pela presença de uma torre lateral, o minarete, onde um homem, o muezim, convida os fiéis a rezar ou vir para o ofício religioso. No passado eles gritavam a plenos pulmões, hoje usam alto-falantes. Na mesquita, eles rezam, escutam a palavra do Corão e ouvem o comentário de algum estudioso. Na mesquita existe um local apontando corretamente na direção de Meca, para a qual todos devem se curvar durante as orações.
         e) Não existe um clero organizado, exceto entre os xiitas, onde são chamados de aiatolás; mas existem os ulemás, que são estudiosos leigos do Corão, muito respeitados nas sociedades islâmicas; os sufis, que se retiram para lugares isolados para viver experiências místicas, em irmandades; os marabus, que são pessoas de vida reclusa e muito piedosas.
         f) Existem cinco obrigações inarredáveis para qualquer fiel islâmico: proclamar a unicidade de Deus, conforme o texto do Corão, dizendo: "Só Alá é Deus e Mohammad o seu profeta"; pagar o dízimo, variável entre 2,5 e 20 % dos bens para ser dado como esmola e ajuda aos mais pobres; parar o que está fazendo e rezar cinco vezes ao dia com o rosto voltado para Meca; fazer uma peregrinação à Meca pelo menos uma vez na vida, se o indivíduo tiver recursos e saúde; jejuar e/ou cumprir obrigações diversas no mês do Ramadã.
         g) A questão da purificação ou impureza ritual é levada muito a sério, por isso abluções com água são recomendadas, além de se evitar certas substâncias como as secreções internas do corpo humano, em especial o sangue, além do contato com cadáveres.     
         É, enfim, uma religião que estimula muito a ação coletiva e atos concretos, correndo o risco de cair no ritualismo. É visceral e ardorosa na sua apresentação e em suas conclamações, muito de acordo com o temperamento dominante nos povos do oriente.

A Questão do Jihad
         O conceito de Jihad, que em árabe quer dizer literalmente “esforço”, mas que foi traduzido pelos ocidentais como Guerra Santa, tem gerado muita discussão.
         Segundo os estudiosos islâmicos, haveria o Grande Jihad, que seria a luta que o indivíduo trava contra suas más inclinações, em favor de seu autoaperfeiçoamento, e o Pequeno Jihad, que seria a luta travada contra os inimigos do Islã, que de forma alguma seria um dos pilares de sua religião.
         É verdade que o Corão recomenda, em diversos capítulos, a necessidade de travar também uma guerra física, contínua e implacável contra os “hipócritas”, dentro da comunidade islâmica, e os infiéis. Mas essa guerra, altamente meritória, deve ter sempre um caráter defensivo. O problema é que nos textos também se respira um clima contínuo de conspiração externa, de perigo de contaminação, por excesso de proximidade com quem não é crente, que deixa muita gente sugestionável vendo inimigos em todo lugar, gerando uma excitação contínua de sair do Grande Jihad para o Pequeno.
         Essa situação tendeu a se agravar com o tempo quando enormes grupos de povos, culturalmente muito diversos, se agregaram à comunidade islâmica, passando a interpretar o texto de acordo com a sua experiência cultural gerando diferentes compreensões do texto sagrado, como aconteceu com sunitas e xiitas, levando o Pequeno Jihad para dentro da própria comunidade de fiéis.

Auge e Decadência do Islamismo Antigo        
        
No seu auge, entre os séculos VIII e IX, a sociedade árabe-islâmica era a mais evoluída e sofisticada do mundo ocidental. Uma civilização urbana, letrada, sem miséria, governada por uma elite ávida por literatura de alto nível, por uma sabedoria sutil e humanista, que morava em palácios amplos, abertos, higiênicos, cercados por jardins e belas fontes, tendo o seu interior repleto de obras de arte, com destaque para tapetes e azulejos de uma beleza deslumbrante.
 Enquanto isso, na Europa bárbaro-cristã milhões viviam uma rotina de violência, miséria e desespero, com os pobres morando em choupanas miseráveis enquanto os ricos se trancafiavam em torres ora de madeira ora de pedra e cascalhos toscos, com o interior escuro, mofado e mal cheiroso, comendo junto com animais, enquanto se contaminavam com a sujeira onipresente. A rudeza e grosseria dos costumes eram simplesmente indescritíveis.
No ramo das ciências os árabes islâmicos deram contribuições incalculáveis ao desenvolvimento do conhecimento humano.
         a) Na química, embora eles começassem pela busca infrutífera da pedra filosofal da alquimia, descobriram substâncias e compostos úteis como o nitrato de prata, o salitre, o bórax, etc., além de descrever os processos de destilação, filtração e sublimação.
         b) Na matemática, eles aperfeiçoaram a geometria dos gregos e a aritmética dos indianos e aperfeiçoaram novas formas de raciocínio matemático, criando um novo ramo desta ciência, álgebra.
         c) Na arquitetura eles se dedicaram principalmente à construção de palácios e mesquitas, ornadas com versos do Corão, aproveitando-se da sinuosidade das letras de seu alfabeto, criando ambientes internos de uma beleza deslumbrante e um exterior suntuoso, mas sem ostentação.
         d) Foram os cientistas islâmicos que criaram a ótica, discorrendo sobre a natureza das lentas e sobre as características da luz.
         e) Eles foram grandes divulgadores, na Europa, da filosofia grega, em especial a de Aristóteles, que estava um tanto esquecida, em virtude da ampla difusão de Platão, feita pelo bispo Agostinho de Hipona, além de outros autores antigos, cuja memória fora riscada pela violência das invasões bárbaras. Entre os pensadores islâmicos destacam-se Al-Farabi, Avicena e Averroés.
         f) Na medicina eles desenvolveram vários remédios, aperfeiçoaram as intervenções, cirúrgicas, descreveram corretamente a causa e o tratamento de muitas doenças, além de defender o caráter psicossomático das doenças em geral – o paciente era visto como um todo – etc. Possuíam uma avançada noção de higiene e os seus hospitais se baseavam em princípios e normas, muitas das quais são aceitas até hoje.
         g) Na literatura islâmica, principalmente a de língua persa, a poesia atingiu níveis de excelência na forma, o naturalismo dos temas e elevação intelectual considerável. O poeta mais conhecido foi o persa Omar Kayian, Sadi e Hafiz Shirazi. Junto com as coisas de Deus, a mulher é a principal inspiradora dos mais belos poemas dessa fase.
         Lutando com paixão contra quem lhe resistia, os islâmicos acumularam muitos inimigos e guerras, que ajudavam a reduzir tanto o número de infiéis como de crentes, esgotando a elite fundadora, enquanto provocava mudanças e contradições no interior do mundo islâmico, agora um mosaico de culturas muito diferentes, com suas elites ansiosas por expandir seu poder político e econômico.
No seio da comunidade de fieis surgem, oposições e animosidades igualmente apaixonadas. Em 750, explode uma luta pelo poder no centro do Império Árabe, quando um grupo derrubou o califa da dinastia omíada, reinante em Damasco (Síria), e inaugurou outra dinastia chamada abássida, em Bagdá (Iraque), enquanto outros povos e tribos, todos islâmicos, mas não árabes, a se atiram contra estes, agora vistos como opressores, como aconteceu no norte da África entre árabes e berberes, no final do século X, sem falar das guerras sangrentas, a partir de 680, que tornaram xiitas e sunitas dois grupos inconciliáveis.
Todas essas dificuldades levaram alguns grupos radicais ou fundamentalistas da elite a assumir mais poder dentro da comunidade, pregando um rigorismo distante da flexibilidade mental e espiritual dos primeiros tempos, em nome pureza ritual e da segurança, que levariam as sociedades árabes à estagnação política econômica e social. A mulher deixa de ser a fonte de inspiração superior para se tornar uma fonte de pecados, o que justifica a sua segregação e o seu uso como instrumento de procriação a serviço do patriarca. O estudo crítico, objetivo, da natureza é abandonado, o conhecimento científico fica estagnado...
         Mas no início não era assim... Conta uma história que, indagado sobre qual seria a pessoa que ele mais amava, o profeta Mohammed teria respondido:
         - É Aisha – Aisha era sua terceira esposa.
         - E depois de Aisha, quem é? Tornaram a perguntar-lhe.
         - É Abu-Bakr, por ser o pai de Aisha.

Vocabulário

Canção de Rolando: foi um dos mais famosos poemas épicos medievais, de autoria desconhecida – sua versão mais completa possui 4002 versos, escrita em língua anglo-normanda, datando de 1070. Ele trata de uma expedição punitiva que Carlos Magno empreendeu, contra reis muçulmanos da Península Ibérica, que estavam atacando a outros reis muçulmanos dessa mesma península, mas que eram aliados de Carlos. A luta aí foi tão intensa que ele resolveu voltar para a França e aguardar nova oportunidade, na sua retirada, porém, a retaguarda de suas tropas foi atacada, aparentemente por bascos, inconformados com o crescimento do domínio franco no sul da França e Norte da Espanha. Essa batalha, acontecida em 15 de agosto de 778, em um lugar nos Montes Pirineus chamado Roncesvales, levou à morte de um sobrinho de Carlos Magno que comandava a retaguarda nessa ocasião. O seu nome Rolando ou Orlando. A batalha, apresentada como gigantesca no poema, não passou de uma escaramuça, mas a morte de Rolando deve ter causado tal comoção na corte, que o seu nome acabou virando o símbolo do heroísmo cavalheiresco, e uma meta para todo cavaleiro medieval que se prezasse.

Heresias: é o nome dado pelo clero católico às diversas correntes que não conseguiram impor seus pontos de vista, quanto à interpretação das lacunas teológicas ou dificuldades diversas deixadas pela pregação de Cristo ou pela destruição de documentos cristãos por conta das perseguições dos imperadores romanos. Quando um determinada linha se tornava a oficial, depois de muitos debates e até convocação de concílios, os membros das correntes vencidas eram convidados a aderir ao pensamento da maioria (a ortodoxia), se, no entanto, perseverassem na sua crença original (sua heterodoxia) eram então desligados da Igreja, excomungados, e tratados como hereges. As principais heresias dos primeiros séculos do cristianismo foram as seguintes:
a) Adocionismo: derivada de ambientes judaicos, essa corrente defendia que o homem Cristo era Filho de Deus só por adoção, o seu lado humano não compartilharia a natureza divina, estavam irremediavelmente separadas.
b) Arianismo: negava a divindade de Cristo, por conseguinte sua consubstancialidade com Deus, afirmando que ele era uma criatura, superior, muito antiga, criada especialmente por Deus, que se encarnara no homem Jesus de Nazaré. Deus por sua vez era um mistério insondável que jamais poderia ser revelado ao homem. O arianismo causou uma grande comoção na Igreja é vários personagens importantes o abraçaram, até que foi condenado oficialmente no Primeiro Concílio de Niceia (20 de maio a 19 de junho de 325). Para evitar as punições decorrentes desse concílio, vários sacerdotes que aderiram a essa heresia fugiram do Império Romano, e um deles foi o bispo Ulfilas, de ascendência romana, mas criado entre os godos, que para eles se dirigiu e a eles pregou o cristianismo segundo a sua concepção, com grande sucesso. Ulfilas também conseguiu traduzir a Bíblia para a língua goda e criou um alfabeto para a sua escrita. O alfabeto gótico.
c) Montanismo:

Hunos: esse povo, oriundo da Ásia Central, tem sido tradicionalmente associado aos nômades Xiongnu, uma poderosa coalizão de tribos nômades do norte da China e Mongólia, que deu muito trabalho aos imperadores chineses, até que estes conseguiram definitivamente enquadra-los a mantê-los longe de suas fronteiras. Acredita-se que um grupo mais ocidental deles se desgarrou do restante e se precipitou para oeste, até chegar bater de frente com as tribos que viviam próximo à fronteira oriental do decadente Império Romano. Por volta de 350 os hunos arrasaram o poderoso reino dos alanos, que existia na Rússia, e estes, em pânico, fugiram para o oeste. Mais tarde eles derrotaram os poderosos ostrogodos, mais a oeste, e esses se precipitaram sobre o Império, empurrando, por sua vez, outros povos, numa espécie de efeito dominó. Em 378, os visigodos, já instalados nas terras do Império, esmagam as legiões romanas em Adrianópolis, matando o imperador, no dia 9 de agosto, até que em 395, as sentinelas romanas dão alarme da chegada dos hunos. Eles, de fato, foram precedidos por toda sorte de boato alarmista, que os apresentavam como pouco mais que animais selvagens, furiosos, absolutamente isentos de compaixão. Entre os anos de 432 e 453, eles revolveram quase toda a Europa continental, pondo fogo em grandes cidades, e criando um fama de conquistadores impiedoso, até que seu principal líder, Átila, morreu de uma hemorragia nasal, uma doença que sempre lhe acometera, após uma noite de bebedeira, sufocado no próprio sangue.


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